O Globo, n. 32783, 10/05/2023. Mundo, p. 15

Condenado por abuso sexual



Um júri federal de Manhattan considerou, ontem, o ex-presidente Donald Trump responsável pelo abuso sexual e difamação da escritora Elizabeth Jean Carroll, estipulando que o republicano terá de pagar US$ 5 milhões (R$ 24,9 milhões) em danos — US$ 2 milhões pela queixa civil e US$ 3 milhões por difamação. Composto por seis homens e três mulheres, o júri civil rejeitou, no entanto, a acusação de estupro contra Trump, que em abril entrou para a História ao se tornar o primeiro ex-líder americano a virar réu em um caso criminal pela falsificação de registros comerciais, incluindo o do suposto suborno à atriz pornô Stormy Daniels.

Segundo o júri, Carroll não forneceu provas de estupro — que, sob a lei estadual, referese à penetração na vagina — mas o órgão considerou que ela foi vítima de abuso sexual, definido em Nova York como submeter alguém a contato sexual sem seu consentimento. Também considerou que o ex-presidente a difamou em outubro do ano passado, quando descreveu o caso judicial apresentado pela escritora como “uma farsa completa” e “uma armadilha e mentira” em sua rede Truth Social.

Nova lei abriu chance

Embora estupro e abuso sexual sejam ofensas de natureza criminal no estado, elas estão prescritas. O processo no âmbito civil só foi possível após Nova York aprovar uma legislação para que vítimas de abuso pudessem abrir processos pedindo compensações por casos passados —o Adult Survivors Act (Lei dos Sobreviventes Adultos, em tradução livre), apontado como uma conquista do movimento #MeToo. O fato de o caso ser civil, e não criminal, significa que Trump não pode ser condenado por nenhum crime e, portanto, preso.

Embora mais de uma dezena de mulheres já tenham acusado Trump de má conduta sexual ao longo dos anos, alegações que ele sempre negou, o caso de Carroll é o primeiro em que tais acusações tiveram êxito perante um júri.

Hoje com 79 anos, E. Jean Carroll processou Trump no ano passado, alegando que ele a estuprou em um provador de roupas na Bergdorf Goodman, loja de departamentos luxuosa localizada na 5ª Avenida, em Nova York, na década de 1990. Segundo a acusação, quando Carroll e Trump se encontraram na loja, já se conheciam por frequentarem os mesmos círculos sociais. Trump teria pedido conselhos à escritora para comprar um presente para “uma garota”, e ela aceitou acompanhálo. O crime teria acontecido quando os dois entraram na seção de lingeries, onde Trump a teria conduzido a um provador e a estuprado.

Manobras para atrasar

Ao longo de todo o processo, que ficou marcado pelas tentativas do ex-presidente de atrasar o julgamento por meio de manobras jurídicas, Trump negou ter estuprado a escritora. Em um vídeo gravado em outubro do ano passado, que foi reexibido durante o julgamento, o ex-presidente chamou Carroll de “mentirosa” e “doente mental”.

Também afirmou que não poderia tê-la estuprado, pois ela não faria “seu tipo”. O argumento, no entanto, perdeu credibilidade quando, no mesmo vídeo, Trump confundiu a escritora com sua ex-esposa Marla Maples.

Logo após o veredicto, Trump, que se prepara para disputar a Presidência dos EUA em 2024, voltou a negar em sua conta na Truth Social que tenha cometido qualquer crime. “Não tenho a menor ideia de quem essa mulher seja. Esse veredicto é uma desgraça — a continuação da maior caça às bruxas de todos os tempos”, escreveu. Ao Fox News Digital, o ex-presidente afirmou que apelaria da decisão.

A campanha de Trump também emitiu um comunicado logo em seguida, afirmando que o sistema judicial americano foi comprometido pela extrema esquerda após anos de dominação do Partido Democrata:

“Em jurisdições totalmente controladas pelo Partido Democrata, o sistema de Justiça de nosso país agora está comprometido pela política extremista de esquerda. Permitimos que alegações falsas e totalmente inventadas de indivíduos problemáticos interferiram em nossas eleições, causando grandes danos.”

‘Ele me estuprou’

Durante o julgamento, Carroll descreveu em detalhes sua versão dos acontecimentos dentro da Bergdorf Goodman. A defesa do ex-presidente questionou por que a escritora não gritou por socorro se os fatos narrados eram verdadeiros, ao que ela respondeu dizendo estar ocupada lutando para escapar:

— Quer eu tenha gritado ou não, ele me estuprou.

Acusação e a defesa apresentaram suas alegações finais na segunda-feira. A advogada de Carroll, Roberta Kaplan, instou o júri a responsabilizar Trump pelo estupro, afirmando que “ninguém, nem mesmo um expresidente, está acima da lei”. A advogada também destacou que sua cliente foi interrogada por mais de dois dias e respondeu a cada pergunta, incluindo as razões por “não ter gritado” durante o suposto estupro, que teria ocorrido há mais de 25 anos.

O advogado de Trump, Joe Tacopina, disse ao júri que o objetivo do processo era fazer com que odiassem o ex-presidente “o suficiente para ignorar os fatos”. As alegações de Tacopina duraram 2h30, durante as quais destacou o que considerou incoerências e falta de provas materiais. O advogado apelou para o “bom senso” do júri porque, segundo ele, se Trump tivesse agredido sexualmente Carroll, “ele teria sido preso imediatamente”.