O Globo, n. 32783, 10/05/2023. Política, p. 4

Cerco ao golpismo

Daniel Gullino


Em uma nova leva de denúncias analisadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes votou ontem para tornar réus mais 250 acusados de participar dos ataques às sedes dos três Poderes, o que pode elevar para 800 o número de pessoas que responderão pelos ataques às instituições. Em outra frente de trabalho das autoridades, investigações da Polícia Federal têm revelado nos últimos meses diálogos entre homens de confiança do ex-presidente Jair Bolsonaro que evidenciam diferentes tramas golpistas que foram planejadas para derrubar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inclusive por personagens que davam expediente dentro do Palácio do Planalto.

Uma dessas conversas, de meados de dezembro, mostra o coronel Elcio Franco, na época assessor especial da Casa Civil, discutindo mobilizar o Exército para impedir a posse do petista. Na conversa, revelada pela CNN Brasil, o militar diz ser preciso convencer o então comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiânia, o general Carlos Alberto Rodrigues Pimentel, a prender Moraes, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), abrindo caminho para anular o resultado das eleições.

Nas mensagem, o ex-major Ailton Barros, amigo de Bolsonaro, diz a Elcio ser preciso mobilizar 1,5 mil homens para participar da tentativa de golpe. Em um dos diálogos, eles reclamam da resistência do comandante do Exército da ocasião, o general Marco Antônio Freire Gomes, de aderir ao plano golpista.

“O Freire não vai. Você não vai esperar dele que ele tome à frente nesse assunto, mas ele não pode impedir de receber a ordem. Ele vai dizer, morrer de pé junto, porque ele tá mostrando. Ele tá com medo das consequências, pô. Medo das consequências é o quê? Ele ter insuflado? Qual foi a sua assessoria? Ele tá indo pra pior hipótese. E qual, qual é a pior hipótese?”, disse Elcio Franco.

Intervenção militar

A convocação de tropas do Exército para promover um golpe no país foi também o que mobilizou apoiadores do ex-presidente a acamparem em frente a quartéis menos de uma semana após a eleição de Lula, em outubro do ano passado. Na ocasião, faixas e gritos de guerra pediam que as Forças Armadas “salvassem o país”, num clamor antidemocrático por uma intervenção militar que ecoava o que era discutido nos gabinetes palacianos.

A maior parte dos acusados de golpe que agora devem responder a ação penal no STF estava concentrada no QG do Exército em Brasília, que serviu como base para as invasões aos prédios do Palácio do Planalto, do Supremo e do Congresso. De 8 de janeiro até hoje, a PGR já denunciou 1.390 pessoas pelos atos antidemocráticos, sendo 239 no núcleo dos executores, 1.150 no núcleo dos incitadores e uma pessoa no núcleo que investiga suposta omissão de agentes públicos.

As denúncias foram apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e estão sendo analisadas em dois inquéritos do STF. Um deles trata dos incitadores e autores intelectuais dos ataques golpistas e o outro dos executores dos atos de vandalismo. O julgamento ocorre no plenário virtual da Corte e está programado para ocorrer até a próxima segunda-feira. Até ontem, apenas Moraes havia votado.

“Faça o que tem que fazer”

Outros áudios com teor golpista clamando aos militares já haviam sido revelados na semana passada. Na ocasião, as investigações mostraram que Ailton enviou mensagens ao então ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, sobre pressionar o comandante do Exército para que ele, em suas palavras, “faça o que tem que fazer”. Cid era o homem de confiança do expresidente, com acesso direto ao gabinete presidencial.

Tanto Barros quanto Cid estão presos desde a semana passada. Ambos foram alvos da operação policial que mirou um esquema de fraude de cartões de vacinação de Bolsonaro, seus auxiliares e parentes.

Como revelou a colunista Bela Megale, do GLOBO, a Polícia Federal (PF) apura se o áudio enviado ao ex-ajudante de ordens tem relação com uma minuta golpista encontrada na casa de outro importante integrante do governo Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, preso desde 14 de janeiro por suposta omissão nos ataques do dia 8. À época, ele era secretário de Segurança do Distrito Federal.

O texto do documento consistia em um decreto presidencial, em nome de Bolsonaro, que sugeria uma espécie de intervenção no TSE, o que poderia abrir caminho para interferir no resultado da eleição presidencial de 2022. Em depoimento, Torres afirmou desconhecer a autoria da minuta e classificou o documento como “lixo”, que seria descartado.

Na investigação, a PF vai mapear a relação e eventuais contatos mantidos entre Barros, Cid e Torres, assim como encontros e trocas de comunicações.

Um dos encontros em que uma trama golpista teria sido discutida aconteceu no próprio Palácio da Alvorada, segundo contou o senador bolsonarista Marcos do Val (PodemosES) em fevereiro. Em uma série de entrevistas, nas quais foi mudando de versões, o parlamentar disse ter se encontrado com Bolsonaro e com então deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), em dezembro, e sido convidado pelo colega de Congresso a participar de um plano para gravar Moraes escondido. A ideia era capturar algum áudio que pudesse ser usado em uma eventual contestação ao TSE. O ex-presidente, porém, teria apenas ouvido a ideia apresentada por Silveira, sem emitir opinião, de acordo com o que disse o senador.