Correio Braziliense, n. 21505, 18/11/2019. Política, p. 2

Polícia Federal não vê crime de Bolsonaro

Raphael Felice


A Polícia Federal concluiu que o presidente Jair Bolsonaro (PL) não cometeu crime de prevaricação no caso das negociações para a compra da vacina indiana Covaxin. O relatório final das apurações foi enviado, ontem, à ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), relatora do caso. A conclusão dos investigadores provocou críticas de integrantes da CPI da Covid e do denunciante, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF).

“Não há correspondência, relação de adequação, entre os fatos e o crime de prevaricação atribuído ao presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. O juízo de tipicidade, neste caso, sequer pôde ultrapassar o contorno da tipicidade formal. Não há materialidade. Não há crime”, enfatiza um trecho do documento.

Apesar de não apontar crime do chefe do Executivo, o documento assinado pelo delegado William Tito Schuman Marinho tampouco desmente a versão dos irmãos Miranda (leia Memória). “Não há dúvidas, igualmente, de que o deputado federal Luis Miranda e o servidor público Luis Ricardo, na ocasião, levaram ao conhecimento do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, informações que, na visão deles, indicariam a ocorrência de irregularidades”, consta no documento. No entanto, concluiu-se a inexistência de crime de prevaricação, porque, segundo o delegado, comunicar eventuais irregularidades não faz parte do “dever legal”, ou atribuição de um presidente da República.

“Ausente o dever funcional do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, de comunicar eventuais irregularidades de que tenha tido conhecimento — e das quais não faça parte como coautor ou partícipe — aos órgãos de investigação, como a Polícia Federal, ou de fiscalização, não está presente o ato de ofício, elemento constitutivo objetivo imprescindível para caracterizar o tipo penal incriminador”, frisa Marinho. Ele definiu a conduta como algo “próximo de uma ausência do cumprimento de um dever cívico, mas não um desvio de um dever funcional (lê-se legal)”. 

A conclusão da PF foi recebida com críticas de congressistas, em especial de ex-integrantes da CPI da Covid. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que foi vice-presidente da comissão, avisou: “Não bastasse desmoralizar as instituições, agora Bolsonaro esculhamba a Polícia Federal. Precisamos tirar esse maloqueiro da Presidência este ano! Vamos pedir a convocação do ministro da Justiça e do diretor da PF para prestar esclarecimentos no Senado”.

Para o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Bolsonaro cometeu, sim, crime de prevaricação. Delegado de polícia, o parlamentar frisou que o documento tem pouca relevância jurídica. O que deve ser levado é o conteúdo coletado nas investigações, conforme destacou.

“No trabalho policial, o que importa são os fatos identificados. A opinião do delegado sobre o caso não é relevante, posso falar com propriedade. Ou seja, Bolsonaro teve acesso à informação de crime e não tomou providências. Quem vai avaliar se é ou não prevaricação é a Justiça, após manifestação do Ministério Público”, disse.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL), que foi relator da CPI, definiu como “estranha” a posição do delegado William Tito Schuman Marinho, uma vez que o próprio investigador afirmou que o presidente soube das supostas irregularidades. “Posição estranha do delegado. Ele confirma a existência do fato, mas enfatiza, na sequência, que não é atribuição do presidente tornar público o crime. É dever, sim, de qualquer um e mais ainda do presidente. A CPI confirmou a prevaricação no detalhe. As conversas com os irmãos Miranda não foram negadas nem pelo Bolsonaro, pelo contrário”, ressaltou.

Autor da denúncia, o deputado Luis Miranda também reprovou a conclusão: “A PF confirma 100% do depoimento do deputado Luis Miranda, porém, apesar de saber das irregularidades, o presidente da República não teria cometido crime ao não fazer nada a respeito das denúncias! Vocês concordam com essa decisão? Sempre defendi e continuarei defendendo a PF, mas discordo dessa vez!”, postou nas redes sociais. 

Por sua vez, aliados do governo que integraram a CPI comemoraram o relatório da PF. O senador Jorginho Mello (PL-SC), por exemplo, mencionou o fato nas redes sociais. “Como já prevíamos, o relatório final da PF, encaminhado hoje (ontem) ao STF, concluiu que não foi identificado crime de prevaricação do presidente Jair Bolsonaro no caso das vacinas da Covaxin”, escreveu.

Já o senador Marcos Rogério (DEM-RO), que ganhou destaque entre os bolsonaristas pela defesa ferrenha do governo na comissão, disse que a PF trouxe à tona o que “todo mundo sabia, menos o G7”. “Lá na CPI, trataram isso como um grande escândalo, que Bolsonaro teria prevaricado. Acusações vazias e sem provas, apenas para atacar a imagem do presidente dentro do jogo pré-eleitoral”, criticou.

 

Código Penal

 

O crime de prevaricação é descrito no Código Penal como “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

 

Memória

CPI da  Covid

O inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro teve origem em uma notícia-crime oferecida, em julho, pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) a partir das suspeitas tornadas públicas na CPI da Covid. O caso foi levado ao STF depois que o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão do parlamentar, Luis Ricardo Miranda, que é servidor do Ministério da Saúde, disseram, em depoimento à comissão parlamentar, que o chefe do Executivo ignorou alertas a respeito de suspeitas de corrupção no processo de aquisição do imunizante fabricado pelo laboratório Bharat Biotech.

Saiba mais

Depoimentos

 

No relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o delegado William Tito Schuman Marinho diz que, na investigação, analisou procedimentos de fiscalização do contrato, abertos pela Controladoria-Geral da União (CGU), pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público Federal (MPF). Também afirma que colheu depoimentos dos irmãos Miranda; do dono da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, e da diretora da empresa Emanuela Medrades; do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e do ex-secretário-executivo da pasta Elcio Franco; e do ajudante de ordens da Presidência da República Jonathas Diniz Vieira Coelho. Ele afirma que, como a conclusão foi de que não houve crime, tornou-se desnecessário fazer a oitiva do presidente Jair Bolsonaro.