O Globo, n. 32782, 09/05/2023. Economia, p. 13
Eletrobras cai 1,7 % com interferência do governo
Vitor da Costa
Manoel Ventura
Renan Monteiro
Bruno Rosa
Geralda Doca
As ações com direito a voto da Eletrobras recuaram ontem 1,71%, a R$ 33,38, depois que o governo entrou, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para ampliar seu poder na empresa. Uma das regras da privatização da companhia foi limitar a participação de voto dos acionistas a 10%, já que ela se tornou uma corporation, uma companhia sem controlador definido. O atual governo, porém, quer ter peso proporcional à fatia de mais de 40% das ações que detém na Eletrobras (incluindo participações diretas e via BNDES). Durante o pregão, os papéis da empresa chegaram a cair mais de 3%.
A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) requer a declaração parcial de inconstitucionalidade de um artigo da lei que prevê a restrição de voto aos acionistas que detenham, individual ou coletivamente, mais de 10% do capital votante da empresa.
Contraria premissa legal
A Eletrobras informou, por meio de fato relevante, que tomou conhecimento da ação por meio de notícia publicada no site da AGU. No comunicado, a empresa reforça que a finalidade da ação do governo não seria a reestatização da companhia nem a alteração de seu regime jurídico vigente, mas afirma que, caso o pedido seja aceito, “a União e seu grupo potencialmente recuperariam a preponderância nas deliberações da assembleia geral.”
De acordo com a companhia, isso contraria as “premissas legais e econômicas que embasaram as decisões de investimento do mercado”, inclusive de milhares de trabalhadores que compraram ações da Eletrobras com recursos do FGTS, a partir da modelagem de privatização desenvolvida pela União. A empresa acrescenta que o processo de privatização foi conduzido em conformidade com a Constituição e que avaliará as medidas que eventualmente devam ser adotadas para manter um ambiente confiável para a realização de investimentos pela Eletrobras no país e a segurança jurídica de todos os acionistas e do mercado.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que a intenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de questionar a privatização da Eletrobras causa “preocupação muito forte”:
— Essas questões de rever privatização preocupam. Você pode até não privatizar mais, não propor nenhuma privatização, mas mudar um quadro que já está jogado e definido, e com muitas pessoas, muitos grupos e muitos países investindo, realmente causa ao Brasil uma preocupação muito forte — afirmou em entrevista à CNN Brasil.
De acordo com Lira, antes da privatização, no ano passado, a Eletrobras não tinha capital suficiente para investimento e prestava serviço “de péssima qualidade”. Em visita a Londres durante a coroação do Rei Charles III, Lula voltou a criticar o processo de privatização da empresa e disse que pretende entrar com nova ação questionando a capitalização.
Efeito a outras empresas
No mercado financeiro, analistas mostraram preocupação com as incertezas adiante para a companhia após a decisão do governo de recorrer ao STF.
— A privatização é vista com bons olhos pelo mercado, o que explica a reação negativa. A pauta econômica do governo é obscura em vários temas, mas em relação às estatais é nítida a vontade de retomar mesmo, que em parte, esse controle —afirmou o CEO da Box Asset Management, Fabrício Gonçalvez.
No ano, os papéis ordinários (com voto) da Eletrobras caem 20,23%, e os preferenciais (sem voto), 11,81%. Na avaliação do BTG Pactual, remover o limite de 10% dos votos que a União possui na Eletrobras seria o oposto do motivo que levou investidores a participarem da oferta de ações.
“Os investidores participaram da oferta porque ela deu a oportunidade de investir em uma empresa muito melhor administrada, com grande espaço para crescimento, com disciplina de capital e influência limitada do governo (ou de qualquer acionista individual). Por isso, o limite de 10% dos votos foi fundamental para o sucesso da operação”, destacam os analistas do banco, ressaltando que a privatização foi aprovada pelo Congresso, tendo parecer positivo do Tribunal de Contas da União (TCU). “Tentar burlar essas instituições e decisões já aprovadas por meio de processos democráticos é um precedente preocupante não só para o setor, mas para outras empresas privadas e reguladas”, acrescentam.
Segundo Romário Batista, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri), se o pedido do governo for aceito, isso pode afetar as modelagens de privatização de Copel, Sabesp e Cemig, que estão em estudo:
— Isso traria também prejuízo aos investimentos em infraestrutura no país, nas diversas modalidades, pela insegurança jurídica e pelo abalo na confiança governamental quanto ao cumprimento de contratos.
‘Ambiente negativo’
O ministro Kássio Nunes Marques, do STF, foi escolhido relator da ação apresentada pela AGU. A distribuição do processo ocorreu na noite de ontem. O ministro já analisa outros processos sobre a empresa.
Nunes Marques foi indicado para a Corte pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo fontes, com a escolha de Nunes Marques para a relatoria, a chance de o processo avançar é considerada pequena. A privatização foi aprovada no governo Bolsonaro, com aval do Congresso.
Na avaliação do líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), a ação da AGU é inoportuna, porque o STF já se posicionou a favor da privatização.
— A ação da AGU preocupa porque cria ambiente negativo para o investimento — disse. — O governo tem todo o direito de paralisar as privatizações, mas não de mexer no que já está feito. O governo recorre à seara do Judiciário porque não tem apoio do Congresso para fazer esse tipo de mudança.