O Globo, n. 32781, 08/05/2023. Economia, p. 9

Sem apoio para acabar com saque-aniversário

Geralda Doca


O acesso dos trabalhadores aos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) continua na mira do Ministério do Trabalho. Sem apoio no Congresso para aprovar medidas que acabem de vez com o saque-aniversário, o ministro da pasta, Luiz Marinho, quer propor ao Conselho Curador do Fundo que suspenda a antecipação do saque, medida que funciona como um empréstimo bancário. Marinho explica que tem recebido reclamações nas redes sociais de trabalhadores que usaram essas linhas e, como consequência, ficaram impossibilitados de acessar o FGTS em casos de demissão.

Com o saque-aniversário, anualmente o trabalhador pode retirar parte do seu saldo no Fundo. Mas, ao ser demitido, só tem direito a sacar o valor referente à multa rescisória e não o valor integral da conta do FGTS, como ocorre no saque-rescisão.

Ainda que a antecipação não seja um saque do Fundo, o valor precisa ser contingenciado, segundo o Ministério do Trabalho. Por isso, o governo avalia que a mudança também pode melhorar o resultado líquido das contas do FGTS e impactar políticas públicas de habitação e saneamento.

O setor da construção civil, que se beneficia dos recursos do FGTS, apoia a ideia, mas economistas dizem que o FGTS é a aplicação com o menor rendimento do sistema financeiro e é preciso fazer o contrário: ampliar as formas para que a população consiga usar esse dinheiro. Além disso, a antecipação do saqueaniversário permite que o trabalhador tenha acesso a crédito com juros mais baixos do que em outras linhas ofertadas pelos bancos.

Pela proposta em estudo por Marinho, quem já tem empréstimo contratado pela antecipação do saque-aniversário não seria afetado. Mas, a partir da publicação de uma resolução do Conselho Curador no Diário Oficial da União (DOU), novas operações não seriam autorizadas. Apenas o saque-aniversário tradicional, no mês de aniversário do cotista, continuaria mantido. Ao GLOBO, o ministro disse que a antecipação criou uma “armadilha” para o trabalhador:

— Ao aderir ao saque-aniversário, os trabalhadores não podem, em caso de demissão, sacar o seu saldo. Hoje, a maior reclamação que recebo diariamente nas minhas redes sociais é de trabalhadores pedindo para eu acabar com o saque-aniversário, para que eles possam voltar a ter o direito de sacar o saldo.

Opção mais barata

No mês passado, Marinho afirmou, em audiência na Comissão de Trabalho da Câmara, que o modelo “criou a farra do sistema financeiro”.

— O saque-aniversário criou a farra do sistema financeiro com o Fundo de Garantia. Hoje, dos R$ 504 bilhões depositados na conta-corrente dos correntistas, já temos quase R$ 100 bilhões alienados pelos bancos em empréstimo consignado do Fundo de Garantia, a partir do formato do saqueaniversário —disse o ministro na época.

Na antecipação, o trabalhador pode receber, na forma de empréstimo, vários anos do saque-aniversário, com juros limitados a 2,05% ao mês. Esse é o principal atrativo da linha, porque, se bem usado, permite a quem tem dívidas escapar de outros empréstimos mais caros, como o rotativo do cartão de crédito, que tem juros médios de 14,92% ao mês, e o cheque especial, com taxa de 7,15%, segundo dados do Banco Central de março.

De acordo com a Caixa, até março de 2023, 14,5 milhões de trabalhadores contrataram mais de R$ 90 bilhões em operações de antecipação do saque-aniversário do FGTS. O banco oferece até cinco anos de antecipação. No Itaú, são até sete anos. Ao todo, mais de 70 instituições financeiras são habilitadas a oferecer os empréstimos tendo como garantia recursos do Fundo.

Ainda que os juros sejam baixos, técnicos do governo afirmam que há abusos por parte de instituições financeiras, como casos de assédio a trabalhadores, que acabam fazendo a opção pelo saque-aniversário e antecipam os recursos sem ter noção das implicações e dos juros cobrados. Essa é a mesma queixa relatada em outras modalidades de empréstimos, como o consignado de aposentados e pensionistas.

A lei que criou o saque-aniversário transferiu para o Conselho Curador do FGTS a competência para aprovar uma resolução e permitir a antecipação. Isso aconteceu em abril de 2020. A expectativa é que a primeira reunião do Conselho neste ano ocorra em junho. Falta um ato do Ministério do Trabalho indicando os conselheiros que vão representar o governo no colegiado.

O governo também estuda mexer nos percentuais do saque-aniversário, que variam entre 5% e 50% do saldo disponível no FGTS. Para isso, não seria necessária a aprovação de um projeto no Congresso. A legislação permite que o Ministério da Fazenda ajuste os percentuais uma vez a cada ano para vigorar no seguinte.

Rendimento baixo

O economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, também professor da PUC-Rio e especialista em mercado de trabalho, critica a ideia de limitar o acesso aos recursos do Fundo, mesmo que seja pelo fim da antecipação do saque. Ele diz que o FGTS é uma poupança que pertence aos trabalhadores e tem baixo rendimento, de 3% ao ano, mais a Taxa Referencial (TR):

— O governo está tentando se apropriar de um dinheiro que é do trabalhador. É uma poupança do trabalhador. É exatamente por isso que o saque-aniversário faz todo sentido. O FGTS rende menos do que qualquer outro investimento que pode ser feito na economia. No Fundo, usa-se

uma poupança do trabalhador para financiar programas governamentais.

No Supremo Tribunal Federal (STF), há uma ação questionando a baixa rentabilidade do FGTS. Por dois votos favoráveis, a Corte propõe a substituição da remuneração atual pela rentabilidade da poupança, hoje em 6,17% ao ano. O julgamento foi suspenso a pedido do ministro Nunes Marques e deve retornar em breve para a pauta.

José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), defende que seja mantido apenas o acesso ao Fundo pelo saque-rescisão, quando o trabalhador é demitido sem justa causa. Ele diz que os recursos do FGTS ajudam no financiamento do setor de habitação, que tem enorme déficit de moradias e de obras no país:

— Defendemos que o FGTS seja usado unicamente com o fim para o qual foi criado. FGTS é patrimônio. Patrimônio foi feito para ser usado em casos especiais, não como complemento de renda. O ideal é acabar com o saqueaniversário.