O Globo, n. 32781, 08/05/2023. Opinião, p. 2

Partidos têm de coibir fraudes em cotas eleitorais de mulheres e negros



Parece escárnio a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9, tentativa de livrar de sanção os partidos que apresentaram irregularidades em suas contabilidades na última eleição, em especial por não terem cumprido as cotas de destinação de recursos a candidaturas femininas e negras. Pela lei, 30% dos recursos dos fundos partidário e eleitoral deveriam ter sido destinados à candidatura de mulheres e 5% a programas de promoção e difusão da participação feminina na política. Além disso, candidatos negros deveriam ter recebido recursos na proporção que representam no total de candidaturas.

No preenchimento da cota feminina, não faltaram fraudes. Em março, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o mandato de Egídio Beckhauser (Republicanos), ex-presidente da Câmara de Vereadores de Blumenau, por ter participado da candidatura fraudulenta de duas mulheres, que receberam cinco e sete votos. Além da baixa votação e do parentesco frequente com candidatos ao mesmo cargo, as candidatas laranjas costumam declarar poucos gastos em campanha, não comparecem a comícios ou passeatas, nem fazem propaganda na internet. Até o gasto excessivo de uma candidata novata pode levantar suspeita, pois ela pode estar repassando dinheiro a outros candidatos. Nada disso pode ser relevado.

A PEC 9, de autoria do deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), concede uma anistia de caráter puramente corporativista a todas as irregularidade cometidas na campanha. Fora isso, ao permitir que pessoas jurídicas possam doar aos partidos para pagar dívidas, passa por cima da lei de 2015 que acabou com o financiamento corporativo a campanhas e partidos. A PEC conta com apoio em todos os campos ideológicos e partidários. Há assinaturas de 13 partidos. Parece que nunca tantos se uniram numa ação conjunta.

Não é a primeira vez que os políticos tentam promover uma “autoanistia”. Em 2022, a PEC 28 concedeu aos partidos o mesmo perdão, abrangendo todas as eleições anteriores, municipais, estaduais e gerais. De nada adiantou ter recebido fortes críticas num seminário organizado pela própria Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados. Relatora do projeto da PEC, a deputada Margarete Coelho (PP-PI) incluiu no seu parecer a manutenção das penalidades aos partidos que não cumpriram as cotas e, numa acrobacia hermenêutica, os perdoou de qualquer sanção. A PEC 9, que propõe basicamente o mesmo, segue impávida seu trâmite.

Os artifícios para driblar a lei eleitoral degradam a democracia representativa. Os partidos têm de coibi-los. Se enfrentam dificuldades para cumprir as cotas e querem mudar a regra, deveriam agir com honestidade e encontrar outras formas de incentivar candidaturas de minorias. Foi o próprio Congresso que introduziu o critério de cotas. Além das fraudes, não se sabe se a dificuldade para cumpri-lo resulta de descaso, de dificuldades inerentes ou do próprio machismo ou racismo.