Correio Braziliense, n. 21507, 03/02/2022. Política, p. 2

PGR é cobrada sobre suposto crime de Bolsonaro

Luana Patriolino


O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu prazo de 15 dias para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) se pronuncie sobre o crime de violação de sigilo funcional do presidente Jair Bolsonaro, apontado pela Polícia Federal, no vazamento de informações sobre o ataque hacker ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018. O órgão pode pedir mais investigações, o indiciamento do chefe do Executivo ou o arquivamento do caso.

Também por determinação de Moraes, a PGR tem de se manifestar sobre notícias-crimes contra Bolsonaro por desobedecer à ordem de prestar depoimento à PF sobre a investigação (leia reportagem abaixo).

No relatório enviado ao Supremo, a Polícia Federal concluiu que Bolsonaro cometeu crime por vazar os dados durante uma live, com apoio do deputado Filipe Barros (PSL-PR) e do ajudante de ordens do presidente Mauro Cid (veja Entenda o caso). Os dados também foram divulgados nas redes sociais do chefe do Executivo. O documento destaca que Bolsonaro e Barros não foram indiciados por terem foro privilegiado, ao contrário de Mauro Cid. 

O relatório final foi assinado pela delegada Denisse Ribeiro, responsável pelo caso. Ela enfatizou que, mesmo sem o depoimento de Bolsonaro, as provas juntadas durante a apuração se mostraram suficientes para a conclusão das investigações. No documento, ela pede o compartilhamento das informações com o inquérito sobre a atuação de milícias digitais. 

Como havia antecipado na semana passada, Denisse Ribeiro frisou que Bolsonaro e Barros tiveram “atuação direta, voluntária e consciente” na prática do crime do vazamento de dados sigilosos, pois, segundo ela, “na condição de funcionários públicos, revelaram conteúdo de inquérito policial que deveria permanecer em segredo até o fim das diligências (Súmula nº 14 do STF)”.

Segundo o documento, “conforme o conjunto probatório, há lastro para afirmar” que Barros “obteve acesso à documentação com o argumento de que a empregaria no exercício de suas funções como relator da PEC nº 135/2019 (proposta do voto impresso, rejeitada pelo Congresso), mas utilizou o referido material para auxiliar Jair Messias Bolsonaro na narrativa de vulnerabilidade do sistema eleitoral brasileiro”.

Ainda conforme o relatório, Bolsonaro divulgou as informações “com o nítido desvio de finalidade e com o propósito de utilizá-lo como lastro para a difusão de informações sabidamente falsas, com repercussões danosas para a administração pública”. 

Na avaliação do advogado constitucionalista Leandro Almeida de Santana, a atitude de Bolsonaro poderia resultar até mesmo no afastamento do cargo. “Além de não cooperar com a investigação e exercer seu direito de defesa, Bolsonaro cometeu crime comum de desobediência, punível com detenção de até seis meses e multa, e crime de responsabilidade ante o descumprimento de ordem judicial, o que configura hipótese de processo de impeachment prevista na Lei 1.079/50”, ressaltou. 

 

“Narrativa fraudulenta” 

 

À PGR, o ministro Alexandre de Moraes corroborou a avaliação da delegada Denisse Ribeiro ao afirmar que a divulgação dos dados pelo presidente teve “o objetivo de expandir a narrativa fraudulenta contra o processo eleitoral” para “tumultuá-lo, 

frustrá-lo ou impedi-lo, atribuindo-lhe, sem quaisquer provas, caráter duvidoso sobre a lisura do sistema de votação no Brasil”.

 

Entenda o caso

 

O inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente Jair Bolsonaro foi instaurado em agosto do ano passado, logo após o chefe do Executivo divulgar informações sigilosas de investigação da Polícia Federal sobre denúncias de invasão ao sistema interno do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018. Na ocasião, em live, Bolsonaro e o deputado Filipe Barros (PSL-PR) deram informações sobre o inquérito e depois publicaram o documento nos seus perfis nas redes sociais. De acordo com os dois, os sistemas digitais do TSE teriam sido alvo de invasão entre abril e novembro de 2018. Eles garantiram que, nesse período, o hacker teve acesso ao código-fonte das urnas eletrônicas.

No dia seguinte, o TSE reagiu às denúncias. A Corte afirmou que “o acesso indevido, objeto de investigação, não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018”. “Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu”, informou.

Após rebater Bolsonaro, o TSE pediu ao STF a abertura do inquérito contra o presidente, apontando a possibilidade de ele ter cometido crimes previstos no artigo 153 do Código Penal, que proíbe a divulgação, sem justa causa, de informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da administração pública. A pena prevista é de um a quatro anos de prisão. 

Moraes atendeu ao TSE e abriu o inquérito de ofício, ou seja, sem que o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestasse previamente sobre a pertinência da investigação.

Antes de ser intimado a depor no caso, Bolsonaro teve 15 dias, depois prorrogados para 60, para ajustar com as autoridades policiais os moldes em que ocorreria a oitiva e informar o Supremo. Como o presidente não indicou local, dia e horário para a realização do interrogatório no prazo de 60 dias — que expirou no último dia 28 —, Moraes determinou a intimação dele para depor. Bolsonaro, no entanto, não compareceu.