Título: Teerã lança desafio ao mundo
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Fonte: Jornal do Brasil, 09/08/2005, Internacional, p. A7
Regime rompe acordo e retoma enriquecimento de urânio em Isfahan. EUA ameaçam levar caso ao Conselho de Segurança
VIENA - O Irã reiniciou ontem suas atividades nucleares, anunciou a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em um movimento que aumenta a instabilidade política no Oriente Médio. Suspenso desde novembro, depois de acordo assinado em Paris, o enriquecimento de urânio na usina de Isfahan foi retomado na véspera da reunião emergencial do Conselho de Governadores, órgão máximo da AIEA, que debaterá o tema hoje, em Viena. União Européia e Estados Unidos querem levar a questão para o Conselho de Segurança da ONU. O diretor da agência, Mohamed El Baradei, fez o comunicado sobre a conversão, mas ressaltou que os lacres postos pela AIEA não foram retirados e que câmeras de vídeo monitoram a atividade.
A reativação de Isfahan marca o primeiro ato de política externa do novo presidente, o conservador Mahmud Ahmadinejad e dá o tom de sua relação com o Ocidente: uma ruptura unilateral no diálogo iniciado há dois anos com França, Alemanha e Grã-Bretanha. Também oficializa a rejeição de Teerã aos incentivos políticos e econômicos oferecidos pela UE para que o país desistisse da ambição nuclear. A decisão foi vista como ''nociva'' pelo ministro das Relações Exteriores britânico, Ian Pearson.
Já o chanceler alemão, Gerard Schröder, se disse ''preocupado com o caminho de confronto escolhido'' pelo país. O ministro das Relações Exteriores da França, Philippe Douste-Blazy, destacou a violação do acordo de Paris, afirmando que a postura do país árabe é ''alarmante''.
Deixados à parte durante a negociação do acordo de Paris, os EUA voltaram à carga com o mesmo argumento de antes, reafirmando o perigo que o Irã representa na região. Segundo o departamento de Estado, a Casa Branca vai aguardar os atos da Europa para decidir qual ''o passo apropriado a ser dado''. Washington já ameaçou, mais de uma vez, levar o caso ao Conselho de Segurança, mas vinha aguardando a conclusão das conversas. Agora, essa espera será apenas uma gentileza.
O governo iraniano nega as acusações e defende seu direito ''soberano'' de produzir energia atômica como todos os membros inscritos da AIEA. Segundo Teerã, a matriz nuclear será alternativa à demanda de eletricidade, além de preservar as reservas de petróleo e gás.
Ser levado ao conselho não preocupa o Irã (o órgão, além de sanções econômicas, pode aprovar uma intervenção no país), até porque dois dos membros - China e Rússia - estão assinando acordos energéticos com o país. Moscou constrói o reator nuclear de Bushehr e Pequim importará gás por 30 anos, dentro da concessão de um dos maiores campos para a chinesa Sinopec.
- Mesmo que lancem uma resolução amanhã, apesar de não ter bases legais para afirmar que estamos violando o Tratado de Não-proliferação, continuaremos o nosso trabalho - declarou o vice-presidente da Organização Iraniana de Energia Atômica, Mohamed Saidi, em entrevista a repórteres em Isfahan.
Para Saidi, o Irã retomou a conversão de yellow cake, pasta de mineral de urânio concentrado, em tetrafluoreto (UF4), que depois passa a hexafluoreto de urânio (UF6). O material pode ser introduzido em centrífugas para chegar ao urânio enriquecido, matéria-prima das armas nucleares, ou como combustível para uma central térmica nuclear, geradora de energia elétrica.
Segundo analistas, a política nuclear do Irã está mudando. Ahmadinejad indicou um conservador para substituir Hassan Rowhani, negociador pragmático que liderou as conversas com os europeus. O atual representante iraniano para o Conselho é Ali Larijani, ex-consultor de segurança do líder religioso supremo Ali Khamenei. Para o analista político iraniano Mohammed Hafezian, Ahmadinejad ''quer deixar clara a rejeição às políticas anteriores'' . E a equipe que montou ''não está familiarizada com a política internacional''.