Título: O indefensável monopólio da CVRD
Autor: Marco Polo de Mello Lopes*
Fonte: Jornal do Brasil, 09/08/2005, Economia & Negócios, p. A19

Está alcançando ampla repercussão na imprensa a disputa entre a Cia. Vale do Rio Doce (CVRD) e a siderurgia brasileira, a respeito da avaliação, pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), dos atos de concentração da mineradora. A CVRD, buscando defender o indefensável, vem investindo maciçamente na mídia, para ser vista pela opinião pública brasileira como acima do bem e do mal.

Propaganda intensa nos jornais, revistas, rádio e televisão, complementadas por artigos de jornalistas e outros personagens da vida nacional, têm procurado colocar a CVRD como uma empresa bem sucedida ¿ que de fato é ¿ mas que vem sendo questionada de forma ¿injusta¿ pelo SBDC, por sua estratégia de aquisição de praticamente todas as mineradoras do país.

Do outro lado, coloca-se a siderurgia, que assumiu posição excessivamente discreta ao longo dos anos, na defesa dos seus mais legítimos interesses. Talvez inibida pelo enorme poder adquirido pela CVRD, não questionou, de forma eloqüente, o monopólio no fornecimento do minério de ferro, matéria-prima estratégica para o setor, além do controle de toda a malha ferroviária da região Centro-Sul, onde se concentra 90% da produção siderúrgica.

A tática agressiva de propaganda coloca a CVRD como a empresa privada brasileira que mais investe e principal responsável pela atração de novos investimentos siderúrgicos no país. O presidente da empresa declarou recentemente que ¿mexer na CVRD é mexer no Brasil¿. Com esta imagem construída junto à opinião pública e ao governo, conseguiu impor um reajuste de 71% no preço do minério de ferro, sem ser questionada.

A siderurgia brasileira, apesar da representatividade e do efeito multiplicador na economia, bem maiores que os da mineração, não tem priorizado como a CVRD, o trabalho de sua imagem.

Em recente artigo, intitulado ¿Um caso de assassinato empresarial¿, Eliezer Batista (ex-presidente da CVRD) e Raphael de Almeida Magalhães, fazem uma veemente defesa da aprovação dos atos de concentração, sem nenhuma restrição, e ressaltam que a CVRD ¿é o único player brasileiro com capacidade de fixar o preço de seu produto¿. Pois este é o aspecto mais perigoso do poderio que a mineradora adquiriu.

Com a aquisição das mineradoras Socoimex, Samitri, Ferteco e Caemi/MBR, a CVRD passou a concentrar 92% do fornecimento de minério à siderurgia, além de, direta ou indiretamente, ter se tornado proprietária de quatro terminais de embarques desse insumo (Ponta do Ubu, Tubarão, Sepetiba e Guaíba). Passou a ter, ainda, quase 50% do capital da Ferrovia MRS com o poder de impor estratégias para o desenvolvimento do negócio.

Além dos terminais portuários, passou a dominar também o sistema ferroviário da Região Sudeste. Afora participação na MRS, detém 100% da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM) e 100% da Ferrovia Centro Atlântica (FCA). Trata-se de posição privilegiada que lhe permite dominar o escoamento da produção de qualquer mina de minério de ferro da região. A CVRD tornou-se a única alternativa para fornecer transporte ferroviário e embarque portuário na região que é a maior produtora de aço do Brasil. No limite, pode controlar a expansão de qualquer mina, definindo projetos que podem ou não ser desenvolvidos.

Não se pode, como ocorre no Brasil, depender de uma única empresa fornecedora de minério e seu transporte ferroviário, pois isto estabelece dependência prejudicial a investimentos na siderurgia. Exemplo marcante deste risco tivemos com a tão proclamada vinda da Posco para o Brasil. Embora beneficiada pelo governo brasileiro com a chamada ¿MP do Bem¿, a siderúrgica coreana optou pela Índia, porque recebeu daquele país concessão de exploração de minério para uso próprio. A CVRD, que tanto se vangloria de ser pólo de atração de novos empreendimentos siderúrgicos no Brasil, pode estar se transformando em ¿espantalho¿ destes investimentos.

De comum em toda essa celeuma é a convergência dos pareceres que já foram emitidos pelos diversos órgãos do SBDC, como a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), Secretaria de Direito Econômico (SDE), Procuradoria do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e mais recentemente, o Ministério Público Federal, propondo medidas restritivas à ação monopolista e anticoncorrencial, como condição para aprovação da compra de todas as grandes mineradoras brasileiras.

Das medidas, destaca-se o compartilhamento do controle da MRS, imposto pelo processo de sua privatização, pelo qual nenhum acionista poderia deter mais de 20% do seu capital votante, e transformar a EFVM em empresa independente, o que trará facilidades de atuação para a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) nas questões de tarifas e no atendimento de mercado, em defesa dos usuários que não têm alternativas para escoamento de seus produtos.

A partir da implementação das medidas sugeridas, seriam criadas condições de desenvolvimento de novas minas e expansão das atuais. A MRS poderá desenvolver estratégias para assegurar o transporte de minério de ferro de produtores alternativos. As informações da EFVM passarão a ser transparentes, possibilitando ação mais efetiva de fiscalização do órgão regulador, a ANTT.

Cumpre destacar que não apenas o setor mineral se beneficiará destas medidas. O setor agrícola, que vem se expandindo rapidamente, trazendo um enorme saldo de divisas para o país e precisando cada vez mais de uma logística eficiente e competitiva, poderá também obter melhores condições para negociação de transporte.

O imenso potencial mineral brasileiro poderá ser desenvolvido também por empresas mineradoras menores, criando um círculo virtuoso de crescimento e propiciando melhor aproveitamento de nossas reservas minerais que alimentarão, de forma competitiva, as nossas indústrias.

Ainda em relação ao artigo de Eliezer e Raphael, acredito que ambos subestimaram o poder da CVRD ao afirmarem que: ¿Sem estas aquisições, a Vale seguiria sendo um player secundário, submetida à vontade hegemônica de seus concorrentes...¿.

A CVRD nunca foi, ou será, um player secundário. Possui gestão arrojada, logística, estratégia competente, equipe motivada, reservas minerais abundantes, fantástica geração de caixa e... um excessivo poder de mercado. Por essa razão, vem sendo questionada pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

*Vice-presidente executivo do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS)