Título: A população cobra respeito
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Fonte: Jornal do Brasil, 10/08/2005, Opinião, p. A10

O anunciado choque de gestão na Previdência Social é mais do que bem-vindo, considerando-se o cipoal de irregularidades detectadas ao longo dos últimos anos, especialmente no pagamento de benefícios. Mas, como revela série de reportagens iniciada pelo Jornal do Brasil no último domingo, ainda há um extenso dever de casa a ser feito, se o governo pretende efetivamente solucionar a questão. O carro-chefe do projeto, gestado nos gabinetes da Fazenda e do Planejamento, é a criação da Super-Receita, órgão que unifica as secretarias da Receita Federal e de Receita Previdenciária. O foco na arrecadação é patente. Ao reforçar a fiscalização sobre empresas, o governo federal trabalha para obter um retorno financeiro mais imediato, que poderia ser revertido para custear a recuperação da seguridade social. Pela experiência recente, contudo, acabará mesmo reforçando a política de aperto fiscal. Além disso, a medida não ajuda a cobrir um ralo por onde escorrem cifras astronômicas: o pagamento de benefícios.

A despeito de todas as ações de impacto da força-tarefa que investiga as fraudes, resultando na prisão de dezenas de Jorginas e Marias Auxiliadoras, as fraudes continuam crescendo. Devem consumir, este ano, 20% de todas as pensões e aposentadorias pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). São R$ 29 bilhões, o equivalente a tudo que entrará em investimento estrangeiro direto no país em 2005. Ou sete vezes a contabilidade dos escândalos que tomaram conta do cenário político nos últimos meses (mensalões, caixa 2, desvio de recursos de estatais e fundos de pensão, entre outros). Ou ainda seis vezes as verbas empenhadas na primeira fase da transposição do Rio São Francisco, obra esperada há décadas e com potencial para beneficiar 12 milhões de nordestinos.

Tudo emoldurado por uma greve que já dura mais de dois meses e atinge em cheio a população mais sacrificada e carente, que depende diretamente dos benefícios do INSS para sobreviver.

São personagens sofridos os flagrados pelo JB nas filas dos postos de atendimento. Gente que muitas vezes desconhece a extensão do assalto aos cofres públicos perpetrado pelas quadrilhas de fraudadores, mas paga o preço do descontrole da máquina administrativa. Brasileiros que penam horas a fio em busca de uma simples informação, esbarrando na burocracia que nega seus carimbos a pedidos legítimos, enquanto os recursos da Previdência se esvaem por irregularidades de todos os tipos.

A população, estoicamente, enfrenta todas as adversidades, mas a paciência esgota-se a olhos vistos. Espera-se que o prometido choque de gestão ponha em ordem não apenas a máquina de arrecadação da Previdência, mas também o atendimento aos mais desassistidos e o combate às fraudes.

De qualquer forma, justiça seja feita, o foco na gestão representa uma mudança qualitativa em relação à fase inicial do governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando aposentados e pensionistas de todo o Brasil - muitos com mais de 90 anos de idade e saúde debilitada - foram submetidos à humilhação de um recadastramento compulsório, para não terem os benefícios suspensos.

Diferentemente dos antecessores, o novo ministro da Previdência, Nelson Machado, é um quadro técnico, funcionário de carreira egresso do Ministério do Planejamento. Chega ao cargo com o aval da equipe econômica e carta branca para varrer do mapa as ingerências políticas que corrompem determinados setores da administração pública. O país torce para que a renovação do perfil desta pasta estratégica para as finanças do país seja um prenúncio de dias melhores para os beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social.

Que a série de reportagens publicada pelo Jornal do Brasil possa ajudar a aprofundar o debate sobre o futuro da Previdência Social, questão que diz respeito a todos os brasileiros e relegada a segundo plano com a crise política. Atacar os que sangram os cofres públicos, mais do que um dever, é um exercício de cidadania.