Título: Diferenças políticas, negócios à parte
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Fonte: Jornal do Brasil, 11/08/2005, Internacional, p. A9

As relações entre Estados Unidos e Venezuela, apesar de mostrarem uma polaridade clara, têm soado contraditórias. Se por um lado, o discurso antiimperialista de Hugo Chávez e o alerta para a ameaça comunista da Casa Branca expõem a rivalidade entre Caracas e Washington, por outro, a super-potência tem vendido armas há anos para o cl iente sul-americano. Pistolas, gás lacri mogênio e outros equipamentos para a contenção de protestos contra o próprio governo venezuelano estão entre elas.

Em entrevista ao jornal The Christian Science Monitor, Adam Isacson, do Centro de Política Internacional de Washington, considera a questão paradoxal:

- É bizarro lidar com objetivos cruzados. Você tem um relacionamento conturbado com esse governo, mas vende armas que o ajudam a conter a oposição - resume.

Registros do Departamento de Defesa americano mostram que, em 2002, Washington permitiu a exportação para a Venezuela de mais de 7 mil pistolas e rifles, além de 22 milhões de munições. Em 2004 o governo americano autorizou US$ 24,6 milhões em vendas por empresas privadas, incluindo US$ 425 mil somente para o gás lacrimogêneo. Este ano, as exportações não incluíram agentes químicos nem bombas de efeito moral.

O motivo da diminuição do volume de vendas é a degeneração da relação bilateral, que nunca se radicalizou o suficiente para que os dois países interrompam as transações comerciais. Em 1999, primeiro ano do governo Chávez, os EUA venderam US$ 132 milhões em equipamentos de segurança para os venezuelanos. No ano passado, esse número foi reduzido a um quinto e teria a maior parte do valor dedicada a compras de rotina.

O paradoxo é que, durante todo esse tempo, o governo Bush teve em Chávez um rival comparado a Fidel Castro, apoiando, inclusive, movimentos de oposição ao líder. Há três anos, Washington comemorou o golpe que tirou o presidente do poder por 48 horas, e, em 2004, a ONG americana National Endowment for Democracy recebeu apoio do Congresso para patrocinar o referendo sobre a permanência do venezuelano no cargo.

Segundo comunicado do Departamento de Estado, ''devido à crescente direção antidemocrática tomada pelo governo venezuelano'', a exportação estaria sendo reavaliada.

Recentemente, um embate diplomático dominou as relações dos dois países. A polêmica compra de 100 mil fuzis AK-47 russos, além de aeronaves e embarcações, para a formação de um exército civil que chegaria a dois milhões de pessoas, despertou a ira de Washington.

Chávez afirma que os EUA estão prontos para invadir sua nação e pretendem assassiná-lo. Seria necessário, portanto, reciclar seu arsenal para se defender. Daí a preparação para o combate - vitorioso, na opinião do autoproclamado socialista.

Para a Casa Branca, no entanto, parte da mercadoria adquirida estaria reservada à guerrilha colombiana, cujo combate junto a Bogotá é de seu total interesse. São de Washington as principais acusações de violação dos direitos humanos e das práticas democráticas na Venezuela.

Organizações ativistas manifestaram preocupação, inclusive, para o uso das armas americanas contra os próprios fabricantes. Um relatório publicado ano passado pelo governo dos EUA e por entidades de defesa dos direitos humanos afirma que forças de segurança venezuelanas torturaram presos com gás lacrimogêneo, produzido nos EUA. Também teriam usado o agente químico para conter protestos da oposição em fevereiro e março de 2004.