Título: Vamos falar de flores
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 12/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

Carlos Lacerda, o político, mas sobretudo o grande jornalista, numa época parecida com a que vivemos, resolveu escrever sobre a Sociedade Protetora dos Animais.

Lembrando do fato deu-me vontade de falar de flores. Sousândrade, o grande poeta, precursor do modernismo e um romântico enlouquecido, via na República a solução de todos os problemas. Quando ela veio, em 15 de novembro de 1889, ele anunciou: ''República proclamada. Paus d'arcos em flor!''. Em seguida, com três adeptos, fanáticos como ele, e um tocador de rabeca, em frente ao Palácio dos Leões, sede do governo do Maranhão, determinou: ''Como a República não tem hino, toca a Marselhesa!'' E entrou, triunfal.

Alguns anos depois, Saldanha Marinho, também um dos lutadores da mudança de regime, quando viu o rumo das coisas, mesmos problemas, mesmas revoltas, gritou aos sete cantos: ''Esta não é a República dos meus sonhos!'' Ontem, ouvi, num discurso comovente, o senador Mercadante também confessar: ''Este não é o meu PT. O meu era o da fundação.''

Sei que eu ia falar de flores e elas nos ensinam muitas lições: da beleza, da diversidade, das formas, dos perfumes e das inspirações. Também, da perenidade, do começo e do fim, da vida e da morte.

Na célebre Consolação a Du Périer, que perdera uma filha, Malherbe afirmava que ''tua dor, Périer, será eterna'', e dava a ela o destino das coisas mais belas: ''rosa ela viveu o que vivem as rosas, / O espaço de uma manhã.''

Na exploração do mesmo tema, há uma trova brasileira célebre que diz que até as flores tem sua sorte, ''umas enfeitam a vida, outras enfeitam a morte.''

As flores do pau d'arco republicano de Sousândrade, belas e brilhantes, amarelas como ouro refletido, também murcharam e apodreceram. Perderam a cor, a beleza e o perfume.

Debaixo de esperanças e desencantos, vivem as pessoas e as flores. Há um certo spleen no Brasil atual. De repente, como numa viagem fantástica, mudou tudo: a esperança e o medo. Entramos num labirinto sem desvendar a saída.

Mas estou falando de flores. Os poetas franceses do século 19 as associavam ao desencanto. Foi com esse sentimento que Mallarmé escreveu: ''De grandes fleurs avec la balsamique Mort (Grandes flores com a balsâmica Morte)'' e Baudelaire deu a um dos mais famosos livros da literatura mundial o título de Flores do mal, onde ele confessa que ''a alma de um velho poeta esvai-se pingo a pingo, na goteira''.

Mas eu vi as flores do bem com Jorge Amado, na segunda primavera de Praga, quando olhamos a liberdade invadir a grande Praça, com belas ciganas distribuindo ''flores de Lótus'', que em cem anos florescem apenas uma vez.

Brasília, na sua aridez, tem belas flores. Flores do cerrado e flores plantadas. Espatódias vermelhas enfeitam caídas os gramados verdes, barrigudas soltam seus pedaços de duvet ao vento, quaresmeiras, buganvílias: cada uma a seu tempo.

Quais são as flores de agora? Na Amazônia existe uma planta, a mugueta, que na floresta, de longe, espanta tudo pelo mau cheiro.

Tudo flores, que brilham, morrem e apodrecem. Mas como disse Camões, ''Depois de procelosa tempestade / Noturna sombra e sibilante vento / Traz a manhã serena claridade / Esperança de porto e salvamento'' (Lusíadas, Canto 4).