Título: Franceses esperam muito de Kerry
Autor: Amelia Gentleman
Fonte: Jornal do Brasil, 28/10/2004, Internacional, p. A8

Não há dúvida de que se os franceses votassem para presidente dos EUA, John Kerry seria o vencedor. O governo Bush foi catastrófico para as relações franco-americanas e Paris está impaciente à espera de um novo líder mais multilateral. O desgosto francês com a atual Casa Branca fica evidente nas pesquisas. Uma recente mostrou que Kerry poderia vencer com 82% na França. Por volta de 70% dos franceses dizem que ficaram com uma imagem pior dos americanos nos últimos três anos, 75% afirmam que têm uma opinião ruim sobre George Bush e 77% acreditam que a guerra no Iraque foi um erro.

Além das discussões acerca da intervenção militar, os franceses ficaram irritados com a recusa dos EUA em assinar o Protocolo de Kyoto, a decisão de romper com o tratado de mísseis antibalísticos e a oposição à corte internacional.

Ano passado, houve insultos de lado a lado. Donald Rumsfeld chamou França e Alemanha de a ''velha europa'' e batatas fritas (French fries) foram chamadas de ''batatas da liberdade'' (Freedom fries).

A francofobia nos EUA é tamanha que a campanha de John Kerry preferiu omitir que o candidato é fluente em francês e tem parentes na França. Bush disse que ''o uso de tropas para defender a América não deve nunca estar sujeito ao veto de países como a França''.

Não há garantia de que o democrata, se eleito, possa melhorar as relações. Pelo menos não do jeito que os franceses gostariam. ''Se Kerry vencer, a lua de mel será curta'', afirmou o jornal conservador Le Figaro. Segundo o jornal, os dois países discordam sobre os problemas no Iraque, no Irã, na China e no conflito israelense-palestino. As disputas comerciais podem piorar com Kerry. Os democratas são mais protecionistas. O risco da decepção é grande e analistas alertam para o fato de que a França pode ver o retorno de antigas rivalidades, mesmo que mude o presidente em Washington.

- Os europeus acreditam que é possível ver a América de volta ao multilateralismo. Mas desde o 11 de Setembro isso acabou. A América que eles imaginam só existe no sonho - disse Guillaume Parmentier, diretor do Centro de Estudos francês sobre os Estados Unidos.

Kerry já manifestou o desejo de ver tropas francesas no Iraque, mas Paris também já disse que isso não vai ocorrer.

Se o democrata vencer, não há nada que garanta que o abuso unilateral vá cessar. Os jornais americanos recentemente noticiaram que o senador Joe Biden, cotado para ser o secretário de Estado de um suposto governo Kerry, criticou o presidente francês, Jacques Chirac, por ter ''um ego do tamanho de uma sala'', acrescentando que o chefe de Estado tem sido ''um pé no saco''.

Mesmo assim, a imprensa francesa torce contra Bush. Em um editorial desta semana, o jornal Libération, de esquerda, afirmou que uma vitória do republicano só iria reforçar a atual ''arrogância'' americana.