Título: Lula só volta à TV em caso de urgência
Autor: Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 16/08/2005, País, p. A3

Em reunião com o gabinete da crise ontem pela manhã no Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva considerou mais conveniente ao atual momento político não fazer, pelo menos por hora, novo pronunciamento à nação, não convocar o Conselho da República e articular uma operação pela derrubada do salário mínimo de R$ 384, aprovado no Senado. A sugestão para que Lula falasse, desta vez em cadeia nacional de rádio e TV, havia partido de ministros e parlamentares ligados ao presidente. Mas, pelo menos por enquanto, os ministros, integrantes do gabinete da crise, avaliam que o pronunciamento feito pelo presidente na sexta-feira foi o ''discurso possível'' e atendeu ao que se propunha até agora. Na sexta-feira, durante abertura da reunião ministerial, Lula se disse traído, pediu desculpas em nome do PT e do governo e garantiu não ter conhecimento dos escândalos.

O maior temor no Planalto era de que o surgimento de fatos novos nos próximos dias impusesse a necessidade de um novo discurso presidencial, o que provocaria um desgaste desnecessário à imagem presidencial. Por isso, um novo discurso em rádio e TV apenas ocorrerá em caso de extrema urgência. Ou se alguma denúncia colar de maneira irrefutável o presidente à crise. A partir de estudos jurídicos encomendados pelo Planalto, os auxiliares de Lula concluíram que hoje não há nada que caracterize ''responsabilidade'' de Lula com as acusações de caixa 2 do PT, entre outras.

A convocação do Conselho da República também foi descartada, embora seja um dos caminhos em estudo no caso de agravamento da crise. Nesse caso, avalia-se ampliar o alcance do Conselho com a presença dos ex-presidentes da República José Sarney, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso com o objetivo de ''dividir as responsabilidades'' da crise. A proposta conta com o apoio do presidente do PT, Tarso Genro, e da OAB, Roberto Busato.

O Conselho da República existe desde 1990 como órgão superior de consulta previsto na Constituição para ''servir de auxílio ao presidente nos casos de estado de sítio, estado de defesa, intervenção federal ou em questões relevantes para a estabilidade das instituições'' e é composto hoje por José Alencar (vice-presidente da República), Severino Cavalcanti (presidente da Câmara), Renan Calheiros (presidente do Senado), os líderes das maiorias e minorias do Congresso, Márcio Thomaz Bastos (ministro da Justiça) e seis cidadãos brasileiros natos com mais de 35 anos.

O assunto está na ''prateleira'', segundo definição de um ministro do núcleo político. Durante a reunião, os ministros do gabinete da crise foram incumbidos de avaliar vantagens e desvantagens da medida, que divide opiniões no governo. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por exemplo, não enxerga a eficácia e considera que a iniciativa pode mexer com os humores do mercado financeiro.

O ministro da Coordenação Política, Jaques Wagner, também não é um entusiasta da idéia. Em contrapartida, a Wagner foi delegada a missão de derrubar o salário mínimo de R$ 384. Os contatos com integrantes da oposição foram iniciados na última semana e vão se intensificar hoje. Em paralelo, o ministro também trabalha pela retomada de uma agenda de votações no Congresso. O governo acredita que, amparado pelo reinício de votações e pelas medidas que soam à opinião pública como eficazes no combate à corrupção, poderá segurar as rédeas da crise. O Ministério da Justiça, por exemplo, prepara dois projetos considerados como essenciais pelo Planalto: o de redução dos custos de campanhas eleitorais e o que torna mais duras as penas para lavagem de dinheiro.

O encontro com o chamado gabinete da crise durou mais de três horas. Participaram da reunião os ministros Jaques Wagner, da Coordenação Política; Márcio Thomaz Bastos, da Justiça; Dilma Rousseff, da Casa Civil; Luiz Dulci, da Secretaria Geral; Antonio Palocci, da Fazenda; da Integração Nacional, Ciro Gomes e o vice-presidente José Alencar.

Com relação ao salário mínimo, Lula decidiu manter em R$ 300 (em vigor desde maio), mesmo que este valor, alterado pelo Senado para R$ 384, não seja restabelecido até sexta-feira pela Câmara dos Deputados. Se for derrotado na Câmara, o presidente vetará a decisão, o que devolveria o mínimo a R$ 260. A solução para manter o mínimo em R$ 300 seria um abono de R$ 40.

A medida provisória do salário mínimo precisa ser apreciada em segunda votação pela Câmara até sexta-feira, quando expira sua validade constitucional.

O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), por sua vez, terá de administrar um acordo de cavalheiros hoje durante reunião de líderes de partidos. A idéia é evitar que o ônus de barrar o novo mínimo caia em cheio no colo da Câmara dos Deputados, ou até mesmo no colo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Ele já anunciou que não há condições de levar a proposta adiante por falta de recursos.