Título: ''Faltou controle interno no PT''
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 14/08/2005, País, p. A2

O secretário-geral do PT, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), virou especialista em missões inglórias. Foi o ministro da Previdência que encaminhou ao Congresso a reforma, cortando os benefícios e vantagens dos servidores públicos federais. Foi o ministro que propôs o recadastramento dos nonagenários nas filas do INSS, cenas constrangedoras estampadas em todo país. Mudou de pasta, foi para o Ministério do Trabalho. Mas a nuvem negra continuou a segui-lo. Foi o ministro que encaminhou ao Legislativo a reforma sindical e negociou pontos da reforma trabalhista. Respirou com o aumento na oferta de empregos, mas esse troféu sempre foi compartilhado com a equipe econômica.

Voltou ao Parlamento, como deputado e foi atirado na fogueira do PT. Assumiu a secretaria-geral da legenda, no lugar de Silvio Pereira, e iniciou a cobrança de punição aos culpados, sejam eles o mais simples militante ou o quadro político mais expressivo. Berzoini, contudo, poupa Lula da crise, achando que ele não sabia de tudo o que estava sendo tramado por um grupo, dentro do campo majoritário, que visava a tomada de poder. Reconhece que o PT foi agressivo nos tempos de oposição, mas ressaltou que a legenda só pediu o impeachment de Fernando Collor quando a situação ficou insustentável.

O petista disse ao JB que está lendo a biografia de Mahatma Gandhi. Por ser um livro extenso, só havia lido um terço até então. Mas que chamara sua atenção as palavras de Gandhi sobre a verdade e sua relação com ela.

¿ Gandhi diz que sempre é melhor falar a verdade, mesmo que isso venha a provocar dor às pessoas que estão em sua volta ¿ alertou Berzoini.

- O que senhor achou do pronunciamento do presidente Lula?

- Ele se dirigiu à nação de forma bastante objetiva. Colocou as realizações de seu governo, que são motivo de satisfação para todos aqueles que participaram, como eu, e estão defendendo o governo. E colocou claramente à população sua indignação e o sentimento de traição pelos fatos que ocorreram no PT.

- Como cidadão e petista, foi o pronunciamento que o senhor esperava?

- Foi. Ele se colocou com objetividade. Agora, evidentemente, é papel de todos nós, e das CPIs, ter a tranqüilidade e a firmeza para dar continuidade às investigações, estabelecer responsabilidades. É papel de toda a sociedade não permitir que o açodamento de alguns faça com que se perca o controle do processo político.

- A declaração do presidente do PL Valdemar Costa Neto de que Lula sabia do acordo de R$ 10 milhões entre o PT e o PL não tira a presunção da inocência do Lula?

- O acordo eleitoral de 2002 não tem nada a ver com compra de opinião. É um acordo político que envolve também o planejamento de campanha dos partidos. Além das conveniências políticas, ou seja, concordância com programas de governo e estratégia de campanha, envolveu também o dimensionamento do que seria o custo da campanha. A acusação que se faz em relação ao suposto mensalão é que haveria aquisição de voto de parlamentar, isto sim, seria gravíssimo.

- Mas não pode passar a impressão de que o PT, para atrair os aliados, precisaria oferecer vantagens financeiras, como foi o caso do PL lá atrás e no suposto caso do mensalão?

- Não. Você está partindo do pressuposto de que uma pessoa da responsabilidade do então senador José Alencar negociaria, por dinheiro, sua participação na chapa presidencial.

- Mas o Valdemar negociou.

- Não negociou por isto. Se ele tratou questão dessa ordem, o PT não tratou em nenhum momento. As informações na época foram amplamente divulgadas, sob a co-responsabilização financeira na campanha.

- O depoimento de Duda Mendonça na CPI o surpreendeu?

- Era inimaginável que esse tipo de relação tenha ocorrido. Não quero antecipar um veredicto sobre a verdade ou mentira do depoimento, mas me parece que ele deve ser investigado.

- Isto pode trazer para mais perto do presidente a crise?

- Não creio porque tenho a firme convicção de que o presidente não teve conhecimento deste tipo de relação.

- O PT está conseguindo dar as respostas diante desta crise ou está sendo surpreendido a cada dia com novas denúncias?

- Podemos dizer que temos hoje a consciência de que ocorreu grave desvio partidário por parte do ex-tesoureiro Delúbio Soares e de quem mais o autorizou ou participou disso com ele. O partido, neste momento, está com dificuldades financeiras, enfrentando uma crise política com a desarticulação da bancada federal. Estamos nos rearticulando neste segundo semestre e simultaneamente tendo que mostrar à opinião pública que isso não é o PT. Isso foi um desvio dentro do PT, mas não é o PT.

- A que o senhor atribui o desvio?

- Tem o deslumbramento, porque o PT passou a ter custo de funcionamento muito mais alto do que poderia. Também tem a concentração de poderes e houve falta de controles internos. Uma organização do tamanho e responsabilidade do PT deve ter uma cultura de gerenciamento de riscos. Espero agora, com a eleição, possamos criar mecanismos ágeis, baseados na democracia, na transparência para que desvios individuais ou de pequenos grupos, não possam contaminar o PT, como ocorreu com essa crise.

- Houve um aparelhamento do partido por um grupo que dominava a legenda?

- Houve um aparelhamento de uma parcela do Campo Majoritário, que passou a tratar o partido como um negócio privado, com fins políticos, inclusive na disputa interna.

- Por que o PT tem tanta dificuldade em expurgar os fantasmas?

- Temos um processo interno que precisa ser feito corretamente sob pena de nulidade. Qualquer investigação interna do partido, se for antecipada ao resultado da CPI, pode, na verdade, ficar incompleta. Então, estamos aguardando a definição do resultado das CPIs e do Conselho de Ética da Câmara para que possamos ter, de fato, a conclusão desse processo político e o PT agir em consonância com o que for apurado na CPI e no Conselho de Ética.

- Como fica a situação do deputado José Dirceu no partido, na bancada? O PT tem medo do José Dirceu?

- A situação do ex-ministro é delicada. Pelo menos duas pessoas que estão depondo às CPIs e ao Conselho de Ética dizem que foi ele quem deu o aval informal ou político às operações de crédito. Se isso for confirmado, evidentemente caracteriza a sua participação direta. Mas vamos aguardar o resultado das investigações.

- O PT vai conseguir cortar ou punir quadros históricos do partido, se forem comprovadas a participação em irregularidades?

- Claro. A única chance de sobrevivência do PT é mostrar que não tem uma lei diferente para uns e para outros. Isso deverá ser feito, seja com filiado desconhecido, ou com o seu mais importante filiado.

- Por que o governo errou tanto na condução da parte política?

- Não acho que o governo errou em toda a condução política. Cometeu erros pontuais. Em 2003, o governo teve um bom desempenho na sua capacidade de articular politicamente. A partir de 2004 começamos a ter alguns problemas, especialmente em função da disputa aqui na Câmara, em torno da reeleição do ex-presidente João Paulo. Isso causou, na minha avaliação, uma disputa interna dentro do PT e da bancada.

- O senhor acredita em mensalão?

- É difícil que tenha ocorrido pagamento da maneira como foi descrito por Roberto Jefferson. É óbvio que não podemos ter controle absoluto sobre as informações que partidos aliados possam deter sobre isso. Mas é muito pouco provável que o PT participasse de um esquema desses, mesmo que só algumas pessoas estivessem tomando decisão.

- O senhor comunga da opinião de Tarso Genro de que é necessária a convocação do Conselho da República?

- É uma proposta que não deve ser descartada a priori. É preciso levar em consideração o alcance político dessa proposta. A crise que está instalada no país, hoje, tem o fundo basicamente político-partidário-eleitoral. Não sei se é necessário levar isso ao Conselho da República. O próprio Congresso deveria ter maturidade para separar as apurações dessa constatação e realizar já uma reforma política para termos fidelidade partidária, financiamento público de campanhas e reforma das regras eleitorais.

- O caixa dois é inevitável?

- Não sei se é inevitável, mas é uma questão que, na política brasileira, acabou virando uma cultura que perpassa as eleições. Muitas vezes, inclusive, com pessoas que são contumazes organizadores de finanças partidárias, não dando atenção devida à qualidade da contabilidade das campanhas políticas.

- Como o PT sai dessa crise?

- De um lado, um PT arranhado. Aos olhos da população, o PT se envolveu e não importa dizer para o povo se eram alguns membros do PT ou não. De outro lado, pode sair um PT fortalecido do ponto de vista de perceber que transparência interna deve ser um critério de ação política e um critério de ação administrativa do partido. Isso pode significar uma lição para toda uma geração que vai suceder os atuais dirigentes do partido.

- Se essa crise fosse em governos anteriores, o senhor acha que o PT estaria na rua pedindo impeachment?

- O PT só pediu o impeachment do Collor quando já estava configurado um poderoso esquema de tráfico de influência montado para financiar atividades políticas e financiar a própria família do ex-presidente. Na atual situação, não há nada que vincule o presidente diretamente a esse processo. Portanto, a apuração é que vai determinar o processo.