Título: Oposição aposta nas urnas, fala em diálogo e evita o impeachment
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 14/08/2005, País, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva perde aliados no Congresso, está sitiado pelo terremoto político, mas ainda não corre o risco de ter o mandato abortado. Apesar da crise e das denúncias que a cada revelação se aproximam mais do Planalto, a oposição acautela-se. Um eventual pedido de afastamento do presidente da República está relegado, por enquanto, a um segundo plano. Interessa mais ao PSDB e PFL manter o governo e o PT enfraquecidos até o embate nas urnas marcado para outubro de 2006, do que engrossar a ofensiva pelo impeachment. Avaliam como precoce defender a tese quando o presidente ainda mantém apoio popular e pode facilmente travestir-se de vítima de golpe, discurso já ensaiado por representantes do governo. Da mesma forma, imaginam que uma eventual queda de Lula levará, de roldão, o vice José Alencar, envolvido também nas denúncias de negociações de apoio do PL em troca de recursos para o partido. O que deixaria o país sob o comando do presidente da Câmara e dos representantes do baixo clero parlamentar e político.

Confiantes nas chances de vitória nas eleições gerais do ano que vem, PSDB e PFL analisam até a oportunidade de propor ao governo uma agenda de votações no Congresso. Cobiçam o papel de protagonistas numa operação de superação da crise política, essencial para blindar a economia, como reconheceu o próprio presidente da República.

- Esse cenário (derrota de Lula nas urnas) é muito mais interessante do que o eventual impeachment - concordam os líderes do PSDB e do PFL no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM) e José Agripino Maia (RN).

Na sexta-feira, ambos consideraram que seus partidos, unidos, já têm condições políticas e eleitorais para derrotar Lula em 2006. Baseiam-se nos números da pesquisa DataFolha divulgada naquele dia, a primeira em que o prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB) desponta na liderança da corrida presidencial e venceria Lula em eventual segundo turno. Tal cenário era apenas um sonho há dois meses. Tanto que o PSDB adiou para o fim do ano a escolha do candidato à sucessão no Planalto. Disputam a primazia, entre outros tucanos emplumados, Serra, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o de Minas Gerais, Aécio Neves, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Diante do cenário considerado favorável, tucanos procuram acalmar aliados do PFL quando os últimos atropelam o tempo e pensam em precipitar a apresentação do pedido de impeachment no Congresso. Até mesmo Fernando Henrique entrou no circuito. Ligou para Virgílio e o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, e recomendou sobriedade. Lembrou que uma crise institucional agora pode afetar a economia e paralisar o país. Uma sucessão de fatos que nada interessa ao país, ao mercado, enfim, a quem tem bom senso. O ex-presidente entoa o discurso do meio empresarial, que clama por normalidade e diálogo.

Tais premissas serão postas à mesa amanhã, quando os líderes e comandantes da duas legendas se reúnem para analisar saídas da crise política.

- Não poderia me negar ao diálogo com o objetivo de construir uma agenda mínima de votações no Congresso - confirma Artur Virgílio.

O PSDB apóia, por exemplo, o projeto que garante autonomia operacional ao Banco Central. Cobra apenas, em contrapartida, a saída do ex-tucano Henrique Meirelles da presidência da autoridade monetária, como prova de que um processo de expurgo no primeiro escalão da administração federal está em curso. Meirelles é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), suspeito de sonegação fiscal e crime eleitoral.

Um pouco mais duro no discurso, José Agripino Maia não descarta a conversa com o governo para restabelecer a normalidade na Câmara e no Senado, paralisados pelas denúncias e pelas CPIs. Mas ressalta que o próprio PT é o culpado pela ausência de entendimento, pois não reconhece seus erros e a necessidade de construir uma ponte com a oposição.

- Se o governo acordar, fica mais fácil - alfineta o líder do PFL.

Responsável pela articulação política, o ministro Jaques Wagner aassegura que tem procurado a oposição para fechar uma agenda positiva. Reclama, contudo, de suposta resistência do líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), e do presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), ao debate. Virgílio retruca. Alega que o governo descarta as sugestões e acusa os adversários de, sem respaldo das urnas, querer governar o Brasil. As arestas precisam ser aparadas.

Do objetivo de derrotar o presidente Lula nas urnas, a oposição tem pelo menos outros dois motivos que a impedem, hoje em dia, de apresentar um pedido formal de impeachment. Virgílio e Agripino reconhecem que ainda faltam as condições políticas (apoio popular) e jurídicas para tanto. Não há, por exemplo, uma prova documental de crime de responsabilidade do chefe do Executivo. A outra razão está na linha sucessória, como já se citou. Uma eventual cassação, dependendo do motivo, pode apear também o vice-presidente da República, José Alencar. O comando do país ficaria nas mãos do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE).

- Nem pensar - declarou um tucano de bico bem afiado.