Título: Burocracia regimental dificulta cassações
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 14/08/2005, País, p. A4

O grande volume de processos por quebra de decoro parlamentar, em função do escândalo do mensalão, pode impedir que o Congresso dê respostas efetivas cobradas pela sociedade. Nove pedidos de cassação estão em tramitação no Conselho de Ética da Câmara - cada um deles tem 90 dias para ser concluído. Outros 16 estão à espera de análise da Corregedoria, que tem 20 sessões, prorrogáveis por mais 20, para analisar os pedidos.

O número de degoláveis pode crescer ainda mais, já que nenhuma das três CPIs em funcionamento - Mensalão, Bingos e Correios - concluiu seus relatórios. Se estes relatórios apontarem novos nomes, eles precisarão ser apreciados pela Mesa Diretora da Câmara, repassados para a Corregedoria e, só depois, enviados para o Conselho de Ética. Pelas estimativas dos parlamentares, os processos podem passar de 23.

A burocracia do regimento também conta a favor dos acusados de corrupção. Cada um tem direito a apontar cinco testemunhas e o regimento prevê que julgamentos por quebra de decoro não podem ser relatados por parlamentares da mesma legenda dos acusados. Para completar, 2006 é ano eleitoral, o que diminui a assiduidade na Casa.

- Se nós não cassarmos quem tiver que ser cassado até a eleição de outubro do ano que vem, quem perderá o mandato são os 513 deputados. A sociedade quer resposta convincente - defendeu o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), relator do processo contra o deputado José Dirceu (PT-SP).

Deputados dispostos a fazer uma faxina na Casa, independente do tamanho do corte na carne, buscam desesperadamente alternativas para superar as dificuldades. O deputado Moroni Torgan (PFL-CE) faz coro com o presidente do Conselho de Ética, deputado Ricardo Izar (PTB-SP), defendendo processos conjuntos de cassação. A idéia é reunir num mesmo bloco e entregar para um único relator pedidos de cassação semelhantes.

- Se os processo forem individualizados, não será possível examinar todos os casos - reconheceu Moroni Torgan.

Izar tomou esta decisão de reunir num mesmo processo os pedidos de cassação contra os quatro deputados do PTB que disputaram as eleições municipais do ano passado. Mas, para a deputada Denise Frossard (PPS-RJ), nem sempre isso é possível. Para ela, só podem ser unificados processos que tenham a mesma origem e nexo causal. Do contrário, cada um precisa ser individualizado.

Denise Frossard dá como exemplo a situação dos sacadores das contas da SMPB no Banco Rural, em Brasília. Para ela, só poderia ser reunido em um único processo parlamentares beneficiados pelo mesmo saque. É o caso, por exemplo, da retirada de recursos feitos pelo chefe de gabinete do PP, João Cláudio Genú.

- Não existem relações entre os saques para o PP e o PT, por exemplo. Precisam ser processos distintos - esclareceu a deputada.

Denise Frossard reconhece que o momento é delicado. Lembra que o Conselho de Ética foi criado para punir ''eventuais parlamentares que tenham cometido desvio de conduta''. Por isso, o momento político atual é obscuro.

- Não presenciamos desvios de conduta individuais. Eles estão acontecendo à granel, em toneladas. Para essa gente, tudo virou algo normal - assusta-se Frossard.

O presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar, cobrou, durante a semana, do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), agilidade no repasse dos 16 processos que estão parados na Corregedoria da Câmara. A intenção de Izar era que os pedidos fossem repassados diretamente para o Conselho. Em nota divulgada, Severino defendeu sua postura, lembrando que isto só poderia acontecer se os pedidos tivessem sido feitos por partidos. E acrescentou que ''cabe à Corregedoria concluir se há ou não fundamento para a abertura do processo contra os parlamentares citados''.

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), sugeriu uma alteração no regimento, caso seja necessário ampliar o número de integrantes do Conselho de Ética para que o tempo não transforme a apuração em pó.

- Se for necessário, transformemos a Câmara em um grande Conselho de Ética. Mas temos de punir todos os envolvidos - disse Biscaia.