Título: Transparência em tempo real
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 14/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

O cenário político brasileiro vive hoje em meio a uma série de denúncias e revelações que nos levam a questionar e buscar saídas para propiciar ao país regras mais eficientes com relação aos partidos políticos, mais precisamente ao financiamento de campanha. Há muito se fala sobre a necessidade de uma reforma política e eleitoral. O momento atual não poderia ser melhor para se levar avante o tema.

Buscando contribuir para sua evolução, apresentei à mesa do Senado Federal, na última quinta-feira, um projeto que altera a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, para instituir a prestação de contas em tempo real pelos partidos durante a campanha eleitoral. Esse projeto de lei poderá, portanto, ser examinado no período em que debateremos a reforma eleitoral.

Pelo meu projeto, as contas do candidato serão atualizadas e divulgadas diariamente pela rede mundial de computadores, cabendo ao Tribunal Superior Eleitoral e aos Tribunais Regionais Eleitorais, conforme seja a eleição nacional ou local, divulgar semanalmente, em páginas eletrônicas oficiais, os atos consolidados no período. O candidato que não cumprir essas determinações terá seu registro cassado.

A internet produziu grande revolução na comunicação de massa, e também propiciou ao cidadão exercer vigilância sobre os atos dos administradores públicos. Isso não se aplica atualmente ao processo eleitoral no que diz respeito à divulgação dos fatos relativos às campanhas eleitorais, dentre os quais a prestação de contas dos candidatos, que representa motivo de preocupação para a legitimidade da representação política.

Em 2002 o deputado Chico Alencar, numa reunião do Diretório Nacional, sugeriu que o partido colocasse na internet, em tempo real, as receitas e despesas feitas por todos os candidatos. Infelizmente a direção do PT não concordou, pois entendeu que esse procedimento só seria eficaz se valesse para todos os partidos.

Quem sabe se tivéssemos feito isso não estaríamos hoje vivendo o drama dos depoimentos das CPIs que estão preocupando a todos nós - do PT, do Congresso nacional, de todos os partidos -, ao Palácio do Planalto e a toda a nação brasileira.

Pretendo, por meio desse projeto, promover a alteração da Lei Eleitoral para usar a internet e divulgar, em tempo real, a prestação de contas dos candidatos durante a campanha eleitoral.

Aprovado o projeto, o eleitor poderá acompanhar diariamente, a qualquer momento, a prestação de contas da campanha eleitoral de cada candidato, seja da captação de recursos financeiros ou das despesas, além de outras formas de contribuição material. Caso haja apenas o financiamento público, também aí teremos o registro de quanto entra para o partido do candidato, quanto ele gasta e de que natureza são seus pagamentos. As mesmas regras valem para o caso de haver contribuição de pessoas físicas ou jurídicas, além do financiamento público.

O conhecimento dessas informações propiciará ao eleitor avaliar e acompanhar a compatibilidade dos recursos financeiros que recebem os candidatos e os gastos que realizam durante a campanha eleitoral com o objetivo de divulgar e promover a sua candidatura. O cidadão poderá ter ainda os esclarecimentos quanto ao comportamento de cada candidato em termos de compromisso com a verdade e a dimensão da influência do poder econômico em sua candidatura.

Trata-se, portanto, de atender ao disposto no primeiro artigo da Carta Magna de 1988, que inclui a cidadania entre os cinco princípios fundamentais do Estado brasileiro, cujo regime democrático pressupõe que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos.

O projeto vai ao encontro do que dispõe a Constituição Federal ao tratar dos Direitos Políticos, cujo artigo 14, parágrafo 9, ressalta a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso de exercício de função cargo ou emprego, na administração direta ou indireta, como exigências que devem ser observadas pelo legislador ordinário, na elaboração da norma eleitoral.

A punição com a perda do registro eleitoral de quem não tiver suas contas disponibilizadas na rede mundial é a forma de conseguir que a prestação de contas seja efetivamente realizada, e o eleitor tenha sua cidadania respeitada.

Espero que o projeto tenha boa acolhida entre os congressistas, tendo em vista que é de interesse de todos os brasileiros o fortalecimento da cidadania, mediante o aperfeiçoamento do nosso processo eleitoral, especialmente quanto à ampla publicidade da origem e aplicação dos recursos financeiros pelos candidatos durante as campanhas eleitorais.