Título: Ironia para tentar explicar conflito eterno
Autor: Rozane Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 14/08/2005, Internacional, p. A12

O processo de paz entre israelenses e palestinos pode parecer, para o espectador externo, uma discussão interminável. Uma vez ligado a questões que passam pela fé - os dois povos acreditam ser sua a ''terra prometida'' por Deus - e que podem levar ao fundamentalismo terrorista - manifestado, em sua maioria, pelos palestinos -, o cenário pode levar a crer que não há saída. Acadêmicos de lá discordam e comentam o mais longo dos conflitos mundiais com uma ironia surpreendente.

- Nunca teremos tudo o que queremos, os palestinos nunca terão tudo o que querem. E pronto. Temos que chegar a um nível igual de infelicidade. E, se acreditamos que temos direito a toda a terra, precisamos, os dois lados, estar dispostos a dividi-la e parar de discutir. Não se pode mais falar em ''terra prometida'' com base na Bíblia. Ela não é um documento. Ou você acha que nós, judeus, acordamos todas as manhãs e a lemos para decidir o que fazer com os palestinos? A Bíblia é a Bíblia; política internacional é política internacional - falou ao JB Asher Susser, diretor do Centro Moshe Dayan de Estudos do Oriente Médio e África, da Universidade de Tel Aviv. Susser defende o que ele chama de ''resignação'' como única forma de se chegar ao momento em que os dois Estados dividirão o mesmo território.

- Temos que nos acostumar à presença deles (judeus). Não tem jeito. Há de haver uma solução, mesmo com o que dispõe a resolução 242 das Nações Unidas, de 1967, (pela qual o território foi dividido em 22% para palestinos e 78% para judeus). Não vou dizer que vamos nos apaixonar uns pelos outros, mas vamos dar um jeito de ir levando a vida - completa o professor palestino Samir Awad, da Universidade Birzeit.

Os dois também comentaram outro ponto ainda não definido no plano de Ariel Sharon. Há, na Faixa de Gaza, um aeroporto internacional desativado e um pequeno porto, ambos sob controle de Israel, que não tem, ao menos por enquanto, nenhuma intenção real de passar o domínio para os palestinos, mesmo com a desocupação. Motivo: o medo de que por lá comecem a entrar armas e milícias terroristas.

- Acho que deveríamos (Israel) correr o risco de dar a eles uma oportunidade de controlar o aeroporto e o porto. Não devemos lhes negar a chance. Isso aqui não é o Pacto de Varsóvia (bloco de países comunistas que mantinha a linha dura na antiga Cortina de Ferro na Europa). Mas, aí, se virmos que estão fazendo mau uso dos dois, pegamos de volta, claro - opina Asher Susser.

O professor Mark Heller, do Centro Jaffee de Estudos Estratégicos, também da Universidade de Tel Aviv, não perde a chance de ironizar o papel dos Estados Unidos, que têm se mostrado mais abertos ao estabelecimento da coexistência dos dois Estados em Israel do que já foram no passado.

- Na fronteira com o Egito, por exemplo, ficou acertado que eles vão manter 700 soldados para cuidar do limite com Gaza depois da desocupação. Houve um acordo para que armas e terroristas não entrem por ali. Se, por algum motivo, em algum momento, o Egito falhar ou se recusar a cumprir o acordo, apelaremos para a diplomacia. Se falhar, chamamos Tio Sam (EUA), se bem que, às vezes, nem Tio Sam é onipotente. Se Tio Sam falhar? Bem, aí teremos que agir por nossa própria conta.

O que seria ''nossa própria conta'', Heller não explica, e encerra o assunto, enigmático:

- Nós só cruzamos a ponte quando a alcançamos - conclui.