Título: Eleição é o próximo desafio
Autor: Rozane Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 14/08/2005, Internacional, p. A12

Israel e os palestinos começam a semana na expectativa dos acontecimentos de quarta-feira, quando os colonos judeus que ainda estiverem na Faixa de Gaza serão retirados à força. Representantes dos dois lados esperam resistência, mas apostam que não será suficiente para atrapalhar a desocupação. A discussão agora é justamente sobre o que acontecerá depois disso. De imediato, despontam novos atores em um cenário cujo horizonte, segundo analistas, só se pode vislumbrar até as eleições de maio de 2006 em Israel. Nessa ocasião, a massa de opositores recém-mobilizados, pela primeira vez, como grupo coeso e organizado terá a oportunidade de testar sua força através das urnas. E, quem sabe, de tentar reverter a retirada. Esse rol de descontentes tornou-se alvo em potencial para as pretensões políticas do ex-aliado que hoje chama o atual primeiro-ministro, Ariel Sharon, de ¿monstro¿: Benjamin Netanyahu. O crítico mais mordaz do plano de desocupação de Ariel Sharon já foi premier e renunciou ao cargo de Ministro das Finanças no último dia 7. Com tempo suficiente para assistir a uma distância segura os desdobramentos da retirada dos 8 mil colonos de Gaza e de parte da Cisjordânia. E de capitalizar qualquer desgaste que Sharon venha a sofrer.

Para Deborah Gerner, professora de Ciências Políticas na Universidade de Kansas, EUA, e co-diretora do Centro de Análise de Políticas Internacionais, Netanyahu está em posição bastante confortável, uma vez que se desligou do governo num momento que pode vir a se tornar dramático. Deborah Gerner só não aposta todas as suas fichas na possibilidade de o ex-ministro sair vitorioso na estratégia de fortalecer a oposição ao plano de Sharon, que é hoje apoiado pela maioria da população:

¿ Está evidente que Netanyahu está se posicionando no lado oposto. Tudo dependerá do que acontecerá nos próximos nove meses. O importante é percebermos que essas pessoas que se organizaram contra a retirada dos colonos já viraram personagens fundamentais nesse contexto ¿ confirma ao JB , por telefone.

A especialista também chama a atenção para o que ela classifica de caráter unilateral de todo o processo de retirada dos colonos israelenses de Gaza.

¿ Quando falamos em ¿retirada¿, em termos militares, somos levados a entender como uma mobilização de ¿tropas¿ ¿ analisa. ¿ Quero dizer que, na prática, nada garante que essas mesmas pessoas não possam ser realocadas nos territórios dos quais estão sendo retiradas agora, dependendo do momento político e de quem possa vir a assumir o governo no ano que vem ¿ completa, em alusão à uma eventual vitória de Netanyahu.

Professor de Ciências Políticas da Universidade de Birzeit, em Ramala, Cisjordânia, o palestino Samir Awad, concorda com sua colega americana.

¿ É claro que, por um lado, achamos que a desocupação é um passo positivo. Mas é preciso que se diga que foi um decisão unilateral ¿ afirma. ¿ Israel decidiu sair e, como é óbvio que está no controle, pode decidir voltar a qualquer momento. Especialmente se houver uma mudança radical no governo nas próximas eleições ¿ corrobora o professor, também se referindo à possibilidade de Netanyahu vir a assumir e ao risco de o político decidir reverter o plano iniciado por Sharon (que conta com o apoio franco dos Estados Unidos).

E é justamente por conta das eleições de maio em Israel ¿ e, antes disso, do pleito de janeiro nos territórios ocupados ¿ que Awad prefere não fazer previsões sobre o processo de paz em si. Mas, fiel a um ponto de vista pessoal, cobra de Israel alguma posição sobre a Cisjordânia, por exemplo.

¿ Não há definição sobre o que o futuro trará para aquela região. Voltando ao caráter unilateral de todo o processo, eles (Israel) podem muito bem decidir não desocupar mais nenhuma colônia e deixar as coisas como estão.

No plano de Sharon, na primeira fase serão desocupados quatro dos 120 assentamentos da Cisjordânia. Mas, sexta-feira, o premier deixou aberta a possibilidade desse número aumentar como forma de ajudar às negociações de paz a prosseguirem. Hábil jogador, com isso, buscou principalmente manter o apoio da maioria que endossa a retirada e pode mantê-lo no cargo em 2006.

Na lista de perguntas que só o futuro responderá está a segurança em Gaza. O modelo de Sharon mantém soldados na fronteira, mas não há nenhuma garantia real do controle da violência na região pelos próprios palestinos.