Título: O começo da paz?
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 14/08/2005, Internacional, p. A13

Professor de História Contemporânea e Sub-Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense

A retirada de alguns milhares de colonos israelenses de uma região onde vivem cerca de um milhão e duzentos mil palestinos ¿ a Faixa de Gaza ¿ criou a esperança de entendimento no Oriente Médio. Será que existem realmente chances para a paz? As referências históricas mais próximas para os atuais acontecimentos na região são o início da segunda ¿guerra das pedras¿ (a Intifada), em setembro de 2000, e a morte do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, em novembro do ano passado. Desde este último acontecimento as tensões diminuíram: o número dos atentados suicidas saídos dos territórios palestinos ocupados e as incursões militares israelenses nestes reduziram-se, apesar de continuada a construção do muro de centenas de quilômetros que separam as duas comunidades na Cisjordânia.

Após a Guerra Fria (nota do editor: 1945-1991) contava-se que a paz alcançasse a região. O cálculo era de que o conflito possuía um input oriundo na bipolaridade. O tempo evidenciou que esta perspectiva não foi realista e o assassinato de Ytzhak Rabin assim o demonstra. O dirigente do processo de paz neste período viabilizou o fim da primeira Intifada através de uma política de concessões e da indicação da possibilidade da formação do Estado Nacional palestino.

Mas a política interna israelense não sustentou esta orientação e caminhou para uma direção oposta. Na eleição para a substituição de Rabin ocorreu a ascensão do partido Likud ao poder, na figura de Benjamin Netanyahu. Este desmontou o que havia sido feito pelo antecessor, produzindo uma ¿contrapolítica¿ da paz. Foi até mesmo superado, em agressividade, por uma lendária figura na formação dos assentamentos após a Guerra dos Seis Dias: o atual primeiro-ministro Ariel Sharon. A sua visita provocadora a um lugar sagrado muçulmano desconsiderou completamente a tensão causada pela frustração na construção da paz. Tal fato inequivocamente deu início à segunda Intifada.

Vemos agora este mesmo líder promover uma surpreendente diminuição de área ocupada por colonos. Antes dele somente o também likudista Menahem Beguin, na seqüência dos acordos de paz com o Egito, desmantelou colônias com a devolução do deserto do Sinai.

Para a ponderação sobre o sentido mais concreto da desmontagem dos assentamentos existem duas considerações fundamentais a serem analisadas. Em primeiro lugar, o Estado de Israel se afasta desta tumultuada situação porque quer. E para que tal ocorra, em segundo lugar, a correlação de forças que mais se transformou nos dois lados envolvidos foi a israelense. Muito embora a morte de um líder carismático e centralizador como Arafat dê a impressão de que é a sua ausência que produz fatos novos, a verdade é que estes mesmos fatos são produzidos em muito maior intensidade pela situação interna de Israel. Mesmo que em luta aberta com a violentíssima ação do terrorismo, é a política israelense (e não uma vitória militar ou política da guerrilha palestina) que vai consumar o desmonte dos assentamentos.

Um fato sutil demonstra esta situação: a ascensão dos trabalhistas ao poder, poucos dias antes da morte de Arafat. E isto num gabinete que tem um primeiro-ministro membro do partido Likud! E mais ainda: os trabalhistas foram derrotados justamente na eleição que levou Ariel Sharon ao poder, passando a fazer parte deste mesmo gabinete.

A política tornou-se extremamente complexa para os Estados contemporâneos. As ideologias perdem a nitidez e as práticas são moldadas por necessidades imediatas. O deslocamento para o centro de um tradicional dirigente extremista corresponde a um pragmatismo dos governantes israelenses em relação aos palestinos. Esta atitude fundamenta-se na necessária redução de custos excessivos que o conflito introduz na economia e, em maior escala, na profunda divisão de sua sociedade em termos de apoio ou não aos fartamente subsidiados assentamentos. Modos de vida e o gasto público estão no centro da questão.

Os assentamentos só possuem apoio externo e interno na luta contra o terrorismo pautada na Doutrina Bush. Apesar de positiva, a devolução de Gaza para o controle da Autoridade Nacional Palestina não indica que estamos diante da construção de uma efetiva política de paz.