Título: Pouco espaço, números em excesso
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Fonte: Jornal do Brasil, 14/08/2005, Internacional, p. A13
A Faixa de Gaza é sinônimo de conflito em qualquer lugar do mundo. Nenhum outro ponto reúne tanto antagonismo, violência política, dramas sociais e injustiça quanto esse pedaço de terra de 365 km², com 45 km de extensão e largura variando de 5 km a 12 km totalmente isolados por muros, torres e franco-atiradores israelenses. Gaza vive sob a sombra da ocupação desde o século 19, quando esteve sob jugo dos otomanos até a I Guerra, em 1914. Após o conflito, passou ao domínio britânico até 1948 e, em seguida, ao egípcio até 1967. Com a vitória israelense na Guerra dos Seis Dias, passou às mãos de Israel. Os 8.500 colonos do território representam 0,6% do total, contra 1,3 milhão de palestinos. A concentração demográfica elevada, 3.954 hab/km2, é reflexo do êxodo gerado entre 1948-49, quando milhares de palestinos se dirigiram à região para escapar da luta entre árabes e forças do recém-criado Estado judeu.
A maior parte dos moradores da região descende desses refugiados: cerca de 960 mil se amontoam em campos como Jabalyia, Beach Camp, Khan Younis, Nuseirat e Rafah. Para se ter uma idéia do que significa viver num lugar desses, na Cisjordânia, o índice demográfico é de 463 hab/km². De acordo com um censo de 2004, 38% das pessoas em Gaza estão desempregadas. O número ajuda a puxar o percentual dos que vivem abaixo da linha de pobreza, com menos de US$ 2,10 de renda por dia.
Na faixa estreita está a principal cidade palestina, onde a ANP e as forças de segurança têm suas sedes. Conta ainda com um aeroporto internacional ¿ cuja pista foi destruída por Israel durante a Intifada ¿ hotéis à beira-mar, um estádio de futebol e vários blocos de apartamentos. Outras cidades possuem notoriedade negativa, justamente em função da ausência de controle por parte da ANP. Em Beit Lahiyah e Beit Hanun, no Norte, ficam os comandos do Hamas, da Jihad Islâmica e das Brigadas de Mártires de Al Aqsa. Dessas localidades, extremistas lançam foguetes artesanais Qassam II contra cidades israelenses na Cisjordânia.
Outro ponto estratégico é o entroncamento de Karni, por onde é escoada para Israel a incipiente produção agrícola e industrial palestina. Na passagem, os caminhões palestinos são obrigados a serem descarregados, e as mercadorias são transferidas para veículos israelenses. Igualmente importante é a passagem de Rafah, único ponto onde o futuro território palestino de Gaza não fará fronteira com Israel, mas com o Egito. Palco de choques violentos entre militantes e soldados israelenses, a cidade vive isolada por bloqueios e se transformou em um desastre humanitário, segundo a ONU.
Da parte israelense, existem 21 assentamentos em Gaza. A remoção deles vai custar ao Estado, pelo menos, US$ 2 bilhões, incluindo o gasto com o deslocamento e o treinamento da força de 55 mil homens e mulheres do Exército e da polícia que serão empregados. Quinze complexos se concentram em Gush Katif, que abriga a maioria dos colonos. O maior bloco é Neve Dekalim, com prefeitura, lojas, cafés kosher e um cemitério com 48 jazigos. Cada família receberá de US$ 550 a US$ 1.100 por ano vivido nas colônias, além de indenização extra em caso de perda de comércio.
Os colonos também serão ressarcidos pelas casas, com pagamento de US$ 800 a US$ 1.000 por m². Os que saírem espontaneamente ¿ até a noite de terça-feira, 16 ¿ terão direito a um extra de US$ 2 mil (famílias com até três pessoas), US$ 3.200 (famílias com quatro ou cinco) e US$ 4.200 (famílias com seis ou mais. Os fazendeiros ganharão US$ 4 mil por estufa, além de direito a novas terras. Quem aceitar só as terras, receberá US$ 30 mil. Quem construir casas nelas terá direito à área e também a US$ 60 mil. A verba será administrada pelo banco Mundial.
Israel vai demolir todas as construções ¿ 36 creches, sete escolas e 38 sinagogas. Depois disso, o Banco Mundial (que vai administrar o dinheiro do governo israelense destinado a essa operação) deve contratar empresas egípcias e israelenses para fazer a remoção do entulho. Uma parte do material será reciclada, e outra deverá ser queimada.
Gush Katif deve ser a remoção mais difícil por abrigar colonos extremistas como em Kfar Yam. Já Morag e Netzarim são assentamentos isolados e também habitados por radicais. O segundo é odiado pelos palestinos por sua localização, que permite aos tanques de Israel isolar o Norte do Sul de Gaza em minutos. Elei Sinai, Dugit e Nisanit, no Norte, menos religiosos, já estão bastante esvaziados.