Título: ''Política econômica não é só matemática''
Autor: Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 14/08/2005, Economia & Negócios, p. A18

O economista americano Werner Baer, da Universidade de Illinois, tem duras críticas à condução da política econômica brasileira. Para ele, a economia vai além do combate sistemático à inflação. Estudioso do país, sugere metas para o crescimento do PIB e também para a geração de empregos. ¿ São coisas importantes que, ao que parece, foram relegadas ao segundo plano pelos tomadores de decisão brasileiros ¿ critica.

Na sua opinião, ao adotar a estratégia de juros excessivamente altos para combater a inflação, o Brasil tomou o caminho mais fácil para obter a simpatia dos investidores internacionais e a segue até hoje para manter a abundância de capital por aqui. Segundo ele, isso deu certo no curto prazo, mas é extremamente perigoso no futuro.

¿ A decisão de criar uma estabilidade a todo custo e só depois se preocupar com o problema social é, no longo prazo, perigosa. As políticas ortodoxas são menos arriscadas em países desenvolvidos do que em países com grandes problemas sociais, como é o caso do Brasil.

O especialista acompanha a economia brasileira desde os anos 60, com visitas periódicas, que lhe propiciaram um português fluente. Até o fim de setembro, o brasilianista lecionará no Ibmec-RJ, como professor convidado. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Jornal do Brasil.

¿ A taxa de câmbio real nunca esteve tão baixa quanto nos anos 90 e muitos acreditam que o governo vem reeditando a âncora cambial para conter a inflação. Estamos de volta a uma receita do passado?

¿ O governo não tem uma política de câmbio. Basicamente, as altas taxas de juros até agora ajudaram a manter a valorização do real. Não acredito que o governo esteja, deliberadamente, valorizando o câmbio, como fez até 99, quando era usado como instrumento de estabilização.

¿ O mais surpreendente é que o câmbio não parece afetar a balança comercial.

¿ A razão disso é a demanda muito forte por commodities, especialmente por causa da China. Isso está afetando positivamente as exportações. O câmbio valorizado vai afetar os exportadores de manufaturados, como a indústria de tecidos, de calçados e mesmo a de automóveis. Pode diminuir a capacidade competitiva dessas indústrias. Por isso, a valorização a longo prazo pode resultar em uma piora da balança. E não há dúvida de que o dólar baixo incentivará o turismo no exterior. E também pode prejudicar o turismo estrangeiro no país.

¿ É necessário que o Brasil tenha que aplicar a taxa de juros mais elevada do mundo para conter a inflação?

¿ Não tenho certeza de que a finalidade de se aplicar uma taxa tão alta seja atingir a meta inflacionária. É também um instrumento de segurar o capital que está no país. Especialmente, quando se tem uma situação política instável. Só assim, minimiza-se o perigo de um êxodo de capitais, seja doméstico ou estrangeiro.

¿ Se a taxa de juros não estivesse no atual patamar, este capital já teria saído?

¿ Certamente, sim. O investidor, se escolhe aplicar o dinheiro no exterior, tem que minimizar o risco. E se o risco é alto, deve ser compensado por meio de uma alta taxa de juros.

¿ O investidor estrangeiro tem hoje total conhecimento da crise política?

¿ As organizações financeiras estão acompanhando o que está acontecendo tanto na área política, quanto na econômica. E a taxa de juros atrai com a possibilidade de um rendimento tão bom que compensa a incerteza que a crise política está trazendo.

¿ Há outra forma de combater a inflação?

¿ Não há dúvida de que este caminho, muito conservador, é uma continuidade do governo anterior. Como a comunidade estrangeira estava com muito medo de que Lula adotasse uma política econômica diferente e o risco país disparou, o governo ficou muito ansioso em manter uma estratégia semelhante para acalmar os investidores estrangeiros. A política econômica ortodoxa ajudou a acalmar o pessoal de fora e o Brasil se tornou um dos favoritos da comunidade internacional.

¿ Na sua avaliação, a saída é adequada?

¿ Me preocupa a ansiedade em relação à política de metas de inflação. O sucesso da economia depende dela ser atingida. O Brasil deveria se preocupar com outras metas também, como crescimento do PIB, investimento em infra-estrutura ¿ que é muito precária no Brasil ¿ e redução do desemprego. São coisas importantes que, ao que parece, foram relegadas ao segundo plano pelos tomadores de decisão brasileiros. Como se dissessem que isso deve ser alcançado somente depois de chegar à estabilidade. Isso é preocupante, porque no longo prazo, o que é importante é o crescimento, o emprego e o desenvolvimento de uma rede adequada de rodovias, de investimentos em energia, de atenção à educação. Os que defendem essa estratégia dizem que, conquistada a estabilidade, todo o resto será solucionado. Gostaria de saber se de fato será.

¿ Essa preocupação excessiva com o controle da inflação pode ser explicada pelo passado recente de hiperinflação?

¿ Não sou a favor da volta da inflação. Mas o país tem outros problemas, de falta de investimento em capital humano e distribuição de renda, que são importantes e deveriam ser considerados com a mesma importância que a estabilidade de preços. A tradição de inflação alta explica o medo. Mas não se pode exagerar. A Alemanha, por exemplo, viveu algo semelhante. Depois da hiperinflação na década de 20, eles se tornaram sensitivos até a uma inflação de 3% ao ano, o que acabou se transformando em um conservadorismo excessivo e foi transferido, posteriormente, ao Banco Central Europeu. Lá existe uma mania de estabilidade de preços, mesmo que resulte em uma alta taxa de desemprego.

¿ E o Brasil segue essa tendência?

¿ Me parece que sim. Mas na Alemanha a situação é menos dramática porque lá se tem um sistema de seguridade social bastante forte, muito maior do que seria possível na América Latina. A decisão de criar estabilidade a todo custo e só depois se preocupar com o problema social é, no longo prazo, perigosa. Se não há emprego adequado e a distribuição de renda é muito concentrada, pode gerar uma situação socialmente instável. Essas políticas ortodoxas são menos perigosas em países desenvolvidos do que em países com grandes problemas sociais, como é o caso do Brasil.

¿ Na busca pela estabilidade, o governo brasileiro é forçado a fazer superávits primários também altos. Essa é uma das justificativas lembradas pelos críticos do modelo em relação ao baixo investimento em infra-estrutura e na área social. A dose é exagerada também nesse quesito?

¿ O esforço fiscal não deve ser eliminado, mas a ansiedade de produzir um superávit primário de 4,5% ou 5% para segurar totalmente a inflação ou para receber elogios das organizações internacionais é um exagero. O governo talvez poderia encontrar uma maneira de trocar outros gastos, como custeio e de pessoal, por investimentos no social, o que aumentaria os investimentos sem reduzir o superávit primário. Mas essa é uma decisão política muito difícil.

¿ Recentemente foi suscitado um debate em defesa da anulação do déficit nominal, que ajudaria a reduzir o peso da dívida pública. Como avalia essa estratégia?

¿ Não sei até que ponto foi utilizado em outros países, mas é uma idéia interessante. O objetivo de zerar o déficit forçaria o governo a mudar o perfil das suas despesas. E também o obrigaria a tomar decisões difíceis, já que parece consenso que é necessário investir em infra-estrutura e na área social. Mas o governo não é só uma máquina e não falamos apenas em melhorar o funcionamento das engrenagens. A gestão do governo são os políticos e a ansiedade dos políticos é evitar conseqüências negativas nas urnas. Agora política econômica não é simplesmente matemática, tomar decisões racionais. É preciso também uma política racional da política. Com uma meta de déficit nominal zero, vai-se tirar das mãos do governo os instrumentos que ele tem de afetar a conjuntura econômica, mas também a política. E me pergunto se isso é interessante para os políticos.

¿ Como o sr. vê o controle de capitais?

¿ Sou a favor do controle de capital de curto prazo, que hoje entra e amanhã sai, e desestimula a economia. O Brasil poderia fazer isso colocando imposto sobre a retirada de capital antes de um ano. Isso mostraria ao mundo que o país quer investidores de longo prazo.

¿ O Brasil vem tentando liderar os países em desenvolvimento. Qual sua avaliação?

¿ O Brasil tem razão no que pretende. É o maior país da América Latina. Mas vai pagar por ter uma atitude mais independente no mercado internacional. A derrota de João Sayad (ex-ministro, candidato derrotado à presidência do BID), altamente qualificado, me pareceu uma jogada de interesses internacionais, talvez a vingança do Departamento de Estado americano. E a Argentina deve ter apoiado o Brasil porque sabia que ia perder. (risos)