Título: Adeus ao 'guerreiro do povo brasileiro'
Autor: Angelo Castelo Branco
Fonte: Jornal do Brasil, 15/08/2005, País, p. A7
Mais de 15 mil pessoas passaram, no fim de semana, pelo velório do deputado federal e presidente nacional do PSB, Miguel Arraes, no Palácio Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco. O enterro foi por volta das 18h no cemitério de Santo Amaro, em Recife. O corpo de Arraes foi levado em carro aberto do Corpo de Bombeiro até o cemitério. O trajeto (1,5 Km) durou cerca de 40 minutos. Durante o cortejo, as pessoas cantaram ''Arraes, guerreiro do povo brasileiro'' e o hino nacional.
Na saída da sede do governo, ao som do Pai Nosso, todos aplaudiram e acenaram com chapéus de palha, bandeiras do MST e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura. Pouco antes foi realizado um culto ecumênico com a participação de familiares, que fizeram questão de Arraes ser enterrado em cova simples, coberta com grama. Na lápide: ''O homem marcado pelas duas mãos e o sentimento do mundo'', lembra poema de Carlos Drumond de Andrade, citado por Arraes na volta do exílio em 1979.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi aplaudido por populares quando chegou, às 9h45, ao Palácio do Campo das Princesas em companhia dos ministros Ciro Gomes, Dilma Roussef e Agnelo Queiroz. Estavam também o porta-voz da Presidência, André Singer, o presidente da Infraero, Carlos Wilson, o governador de Pernambuco em exercício, Mendonça Filho e o prefeito do Recife, João Paulo. O presidente permaneceu cerca de 1 hora e voltou à Brasília. Nesse meio tempo, Lula desabafou com alguns parlamentares, dizendo estar se sentindo mal e muito machucado com a crise.
A cúpula nacional do PSDB foi representada pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin e pelo prefeito da capital paulista, José Serra, acompanhados pelo senador Sergio Guerra e pelo deputado Raul Jungmann (PPS).
A liderança popular de Arraes foi reconhecida. Cerca de 20 caravanas de trabalhadores rurais foram a Recife prestar homenagens ao deputado. A primeira, com 50 trabalhadores rurais, do município de Caruaru, no agreste de Pernambuco, chegou por volta do meio-dia.
O presidente da Infraero, Carlos Wilson Campos, explicou que um dos programas lançados pelo ex-governador foi o ''chapéu de palha'', para possibilitar, na entressafra da indústria açucareira, o emprego da mão-de-obra ociosa na recuperação de estradas e escolas. Fruto de tal empenho, no fim do velório, 400 camponeses, com chapéu de palha, caminharam até o palácio para se despedir de Arraes - ''nosso maior aliado''.
A família de Arraes - que deixa 10 filhos - recebeu pesar do presidente de Cuba, Fidel Castro, que também enviou uma coroa de flores ao velório. Em sua declaração, Fidel assinalou que foi com grande tristeza e consternação ''que recebemos a infausta notícia da morte do nosso amigo e companheiro de luta antiimperialista, Miguel Arraes de Alencar. Sua vida política o consagrou por inteiro a favor dos humildes e despossuídos, tanto do seu estimado Nordeste brasileiro como do resto do Brasil, que foi interrompida momentaneamente quando era governador do Estado de Pernambuco por conta do golpe militar de 1964. Seu exemplo servirá de estímulo para as gerações atuais e futuras do Brasil e América Latina. Sempre recordaremos sua atitude valente, solidária com o nosso povo e a revolução''.
O cantor Caetano Veloso acompanhou o cortejo. Ele disse ter conhecido Arraes no exílio e desde então mantém relação afetiva com a família. Para ele, Arraes deixa exemplo de integridade na vida pública. Caetano participa de um documentário sobre o político, que está sendo feito pelo seu filho, o cineasta Guel Arraes. A produtora Paula Lavigne, a pedido de Guel, gravou cenas do velório e do enterro para o filme.
Surpreendido com a notícia da morte de Arraes em plena apresentação de folclore regional, ao vivo pela TV, o compositor popular Getúlio Cavalcanti versou de improviso: ''O Sertão é só tristeza/ O povo perdeu a paz/ Corre o pranto em correnteza/ Lá se foi Miguel Arraes''.