Título: Traços, troços, troças e traças
Autor: Ubiratan Iorio
Fonte: Jornal do Brasil, 15/08/2005, Outras Opiniões, p. A9

Os traços da maior corrupção de nossa história, em seu desnudar, são espantosamente claros; o troço do mensalão, em seu despudor, beira a pornografia; a troça da engenharia da rapina, em sua petulância e infantilidade, chega a ser risível; e seus mentores, bem como os que insistem em acobertá-los, são traças nojentas que destroem uma nação já combalida.

Se esse esquema de corrupção tivesse sido executado por algum partido ''de base não popular'', podemos imaginar o barulho que os partidos de esquerda - desde os que sofrem de raiva aguda até os mais domesticados - não estariam fazendo, apoiados por estudantes que não estudam, intelectuais que só pensam dentro do ''cercado'' marxista e pelos ''movimentos sociais'', que, muitas vezes, como no caso do MST, deveriam ser definidos mais adequadamente como o coletivo de quadrilhas. Mas como o troço, que parece remontar aos tempos de Cabral, assumiu as proporções a que chegou em um governo de esquerda e em um partido que sempre ostentou a arrogância de dono da ética, os esquerdopatas, hoje, parecem mais baratas tontas.

Fico pensando na decepção que deve estar consumindo os petistas honrados, dos quais sempre discordei em termos de doutrina, mas que sempre respeitei por sua postura coerente e por serem bem intencionados, como o meu colega Reinaldo Gonçalves, que publicou um pungente artigo em um jornal paulistano, em que afirma peremptoriamente: ''Enterremos Lula e, sem compaixão, deixemos o PT chorar os seus mortos!''. A ele e aos demais de caráter íntegro, empresto a minha solidariedade neste momento difícil, já que somos todos brasileiros.

A engenharia da roubalheira, utilizada pelo chamado ''campo majoritário'', com as finalidades de identificar o Estado - que pertence a mais de 180 milhões de brasileiros - com o partido - que possui apenas cerca de 1 milhão de ''torcedores'' -, e perpetuar-se no poder, por meio de um controle completo - que incluía, originalmente, o Conselho Nacional de Jornalismo e a Ancinave, abortados em tempo pela bravura de algumas vozes formadoras de opinião. Sempre em nome do ''popular'' e do ''social'', embora se servindo fartamente do povo e praticando um outro ''social'', aquele das recepções, dos vinhos franceses, dos hotéis luxuosos, das taças de cristal e até dos serviços da dona de um bordel brasiliense, com o perdão pelo pleonasmo... Um mar de ambições, nocivo aos interesses dos cidadãos, porém infantil em sua concepção, que parece ter sido a de que o povo brasileiro seria um bando de imbecis e os abutres do erário tudo poderiam fazer sem serem contestados... por serem ''éticos'' e por estarem acima do bem e do mal.

Enfim, um projeto claro e cristalino - embora ao mesmo tempo tenebroso e turvo - de usurpação progressiva do poder, com a intenção de nele permanecer por décadas, seja calando a boca da imprensa, seja impondo o que poderia ou não ser objeto de filmes e vídeos, seja controlando o Judiciário, seja comprando parlamentares mês a mês, com o dinheiro do povo. O famigerado CNJ não vingou, a estúpida Ancinave também não, a Justiça não se intimidou e a compra de parlamentares veio ao conhecimento da nação. Mas tem gente que teima em não aprender com os erros, alheios e próprios. Diversos formadores de opinião, incluindo ''teólogos'' pretensamente católicos, mas que preferem o seu ''deus Marx'' ao verdadeiro Deus, intelectuais da intelligenzia, sociólogos, políticos, advogados, economistas e outros vêm tentando insinuar que o PT-governo, que desde 2003 foi uma entidade única, teria se corrompido em virtude das alianças que teria feito com a ''direita''. Argumento mofado, porque corrupção não é de direita nem de esquerda, é fruto de deformações morais e de concentração de poder, uma característica do socialismo sindical, muito diferente da social-democracia européia que, com todas as suas falhas, sempre respeitou a democracia. Temos que nos livrar das traças!

Ubiritan Iorio escreve às segundas nesta página