Título: Chico Pedra Noventa
Autor: Luís Pimentel
Fonte: Jornal do Brasil, 15/08/2005, Caderno B, p. B8

As artes, a cultura e a política brasileiras perderam, no fim de semana, um grande e dedicado pilar. Depois de uma luta dura de cinco ou seis anos, do bom combate contra um dragão das maldades, o câncer derrotou Francisco Milani - um dos homens mais íntegros, fortes, solidários, bonitos e verdadeiros que conheci. Fui admirador, eleitor e amigo do artista, vereador e camarada Milani. Eu o conheci na década de 80, em meio às gravações do programa de TV Escolinha do Professor Raymundo, à época ainda no Teatro Fênix. Eu era um dos redatores do programa e por encomenda de Eduardo Sidney (o doce Edu, que também já partiu) e de Chico Anysio criei o bordão ''Pedra Noventa, só enfrenta quem agüenta!'') para o personagem Pedro Pedreira, que Chico desenhara para Milani interpretar. Foi um sucesso imediato, como tudo o que o grande ator fazia - das primeiras participações como escada do Jô, no Viva o Gordo, ao impaciente Saraiva Tolerância Zero de Zorra Total - do qual estava esquematizando a volta, em tempos oportunos de intolerância social.

Reencontrei Francisco Milani - a quem ajudei a eleger à Câmara pelo PCB, com o meu modestíssimo voto e o de alguns amigos indecisos - no final dos anos 90, na redação da revista Bundas. Era um dos editores da publicação e sempre convidávamos Milani para nos ajudar como entrevistador de políticos ou de artistas. Aceitava sempre, gentil que era, às vezes desmarcando compromissos, pelo prazer de falar, de questionar, de estar o tempo inteiro participando do corpo a corpo com a vida.

A doença apareceu nesses dias e me lembro do grande humanista falando sobre ela sem comiseração, sem desespero, cavalgando apenas a esperança de sempre e à luz e lógica de seu materialismo. Foi em frente. Depois de Bundas, o mesmo grupo de jornalistas fez Opasquim21 e Chico Milani continuou ao nosso lado, comparecendo às entrevistas sempre que convidado. A cada encontro falávamos da doença, que não recolhia as garras. Todo ano uma cirurgia, cada uma mais agressiva do que a outra. Descrevia todas elas, em detalhes, sem dramas, como se falasse de verrugas, perebas, unhas encravadas. E discutindo, conversando, questionando, opinando, criando sem parar.

Quem com ele conviveu durante os últimos meses, quando por fim podia-se ver alguma expressão de cansaço, interrompendo as gravações para retomar fôlego ou denunciando algum lampejo de tristeza no olhar, informa que o bravo Chico foi pedra noventa o tempo inteiro, até o fim.

Milani, querido, nossa saudade. E nosso aplauso.