Título: Farsa oficial aumenta a revolta
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 18/08/2005, Internacional, p. A9

As informações divulgadas terça-feira pela tevê britânica ITV, que derrubaram a versão montada pela Scotland Yard para a morte de Jean Charles de Menezes, baleado por policiais no metrô londrino, revoltaram ainda mais a família e as advogadas do eletricista brasileiro. Gareth Peirce e Harriet Wistrich, que cuidam do caso, exigiram ontem, com o apoio de organizações de Direitos Civis, a abertura de um inquérito público, confiável e, de fato, independente.

Os jornais britânicos deram destaque às novas evidências, mas a opção das autoridades foi pelo silêncio. Poucos se manifestaram. O ex-comandante da polícia metropolitana, John O'Connor, chegou a pedir a demissão do chefe da polícia metropolitana, Ian Blair. O governo, no entanto, se recusou a comentar a reportagem até que as investigações sejam concluídas.

Para o ministro do Interior, Charles Clarke, as novas evidências não mancham a reputação da Scotland Yard:

-As pessoas deveriam ter orgulho do nosso trabalho desde os primeiros atentados, em 7 de julho - disse, ao jornal Evening Standard.

Já o lider liberal-democrata, Simon Hughes, afirmou que ''sempre deve haver uma opção de atirar para matar'', mas que ''a reportagem pode garantir que a polícia reavalie essa política''. O governo brasileiro, por sua vez, informou que também aguarda informações oficiais para se manifestar.

A reportagem da tevê britânica, além da imagem de Jean Charles morto no vagão do metrô, divulgou depoimentos de um policial que imobilizou o brasileiro antes que este fosse morto. De acordo com o agente, o eletricista estava sentado quando tomou os tiros. A ITV afirmou ainda que ele entrou tranqüilamente na estação e pegou um exemplar de um jornal gratuito. Usava uma jaqueta jeans e não carregava uma mochila. Tudo contraria a versão oficial de que correra da polícia e vestia um casaco pesado demais para o calor do dia.

- A única surpresa foi que ele estava sentado, o que faz do erro pior do que imaginávamos - diz ao JB Alex Pereira, primo de Jean Charles. - As provas só os incriminam mais. O policial que imobilizou meu primo agiu corretamente, merece uma medalha. O que matou, prisão perpétua - completou.

Os documentos mostram que Jean Charles foi confundido com Osman Hussain, etíope preso em Roma que teve sua deportação para o Reino Unido aprovada ontem e em nada se parece com o inocente. A polícia começou a vigiar o prédio em que o brasileiro morava depois de achar um cartão de academia de ginástica de Hussain em Shepherd's Bush.

Em comunicado divulgado à imprensa, Peirce e Wistrich afirmam que os documentos da Comissão Independente da Polícia britânica (IPCC, na sigla em inglês) provam que ''praticamente todas as informações divulgadas são falsas''. As advogadas formularam 14 perguntas que ainda não têm respostas, entre elas por que os parentes de Jean foram hospedados em um quarto de hotel com telefone cortado logo após sua morte.

Também foram questionadas no comunicado a demora em divulgar as imagens do circuito interno de tevê do metrô, a incoerência entre a suspeita de Jean Charles, a opção por não abordá-lo no ônibus que usou para chegar à estação de Stockwell, a afirmação inicial de que seriam cinco os tiros e a tentativa da polícia britânica de dissuadir a família a obter uma segunda autópsia.

A IPCC informou que se reúne hoje com a advogada da família de Jean ''para esclarecer as conclusões mais recentes da investigação''. Segundo uma porta-voz, a comissão mantém ''uma investigação profissional e imparcial'' do caso.

Asad Rehman, paquistanês que coordena um grupo de apoio à família, está indignado com a forma como o público vem sendo tratado:

- Estamos sendo enganados. É evidente que estão nos falando mentiras e meia-verdades - disse Rehman, que prepara um protesto para segunda-feira, em Londres, quando a morte do brasileiro completa um mês.

- As provas estão aparecendo, e a investigação acelerando. É um direito nosso e de todos saber o que houve. Ian Blair já mentiu demais - completou Alex, em entrevista por telefone.