Título: A dívida pública no primeiro semestre
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 18/08/2005, Economia & Negócios, p. A19

Nesta primeira metade do ano, o desempenho da economia brasileira tem sido bastante positivo. Apesar de ter ocorrido uma desaceleração da atividade econômica, os resultados continuam sustentando crescimento. A produção industrial apresentou variação positiva de 5% acumulada no período, enquanto as vendas reais do comércio aumentaram 4,6%. A projeção do crescimento do PIB para o segundo trimestre de 2005 em relação ao primeiro é de 1,2%. Além disso, a balança comercial continua apresentando superávits, apesar da queda do dólar, e o crescimento das exportações continua a impulsionar a economia. Quanto às finanças públicas, as melhorias constatadas em 2004 estão se acomodando, e segue a estabilização da relação dívida líquida/ PIB, que passou de 51,7% em dezembro de 2004 para 50,9% em junho de 2005. Os principais fatores condicionantes da estabilidade desse indicador seguem sendo o superávit primário e o crescimento do PIB. Ou seja, o dinamismo da economia, com aumento das receitas tributárias, e o crescimento do PIB, estimado pelo Banco Central, em 2,4% no mês de junho em relação a dezembro, continuam favorecendo as finanças públicas. A valorização do câmbio também refletiu positivamente, mesmo que sua importância como indexador da dívida esteja reduzida.

A composição da dívida mobiliária interna apresentou um crescimento substancial da parcela indexada à taxa de juros Selic, que era de 52,4% em dezembro de 2004 e passou para 56,6%. Durante o semestre esse percentual chegou a atingir 58,5%. Enquanto isso, a exposição da dívida interna ao câmbio, principal fonte de preocupações em 2002 e 2003 devido à vulnerabilidade externa, continuou em seu movimento de redução, atingindo atualmente a participação de 4% dos títulos em poder do público.

O aumento da participação da Selic na composição da dívida, ao mesmo tempo em que houve elevações dessa taxa promovidas pelo Banco Central, provocou um aumento dos juros incidentes sobre a dívida pública. Enquanto que no primeiro semestre de 2004 os juros nominais foram 7,4% do PIB, de janeiro a julho de 2005 os juros nominais somaram 8,6% do PIB. Logo, apesar dos recordes de superávit primário, a necessidade de financiamento do setor público aumentou, passando de 1,8% do PIB para 2,2% no mesmo período de comparação.

A elevação da taxa básica de juros (Selic), de 16% para 19,75%, promovida pelo Banco Central a partir de setembro de 2004 com o objetivo de reduzir a inflação, ajustando o centro da meta de 2005, custou caro aos cofres públicos e elevou a dívida pública mobiliária federal em poder do público de 43% para 47% do PIB, apesar da queda da dívida líquida do setor público.

O Banco Central pecou pelo excesso de zelo com a meta de inflação. Para reduzir o IPCA estimado para 2005 de 6% no começo do ano para o esperado em julho, 5,5%, o Brasil teve que consumir 7,5% do PIB com juros reais no primeiro semestre do ano. Para efeito de comparação, no mesmo período do ano passado, os juros reais sobre a dívida foram de 2,3% do PIB.

Além dos desequilíbrios provocados pela estrutura das contas governamentais, a principal dúvida em relação às finanças públicas reside na política monetária. O alongamento dos prazos da dívida pode ser feito gradualmente, pois depende do fator credibilidade, cuja consolidação demanda tempo. Práticas de taxas de juros reais permanentemente altas acabam comprometendo a sustentabilidade da dívida e requerendo uma posição ainda mais restritiva na área fiscal. O esforço fiscal, representado pelos elevados superávits primários, terá sua eficácia na redução da dívida apenas se acompanhado pela redução dos juros reais e principalmente pelo crescimento do PIB.

Ex-diretor do Banco Central e chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC)