Título: A globalização chegou lá
Autor: Paulo Paim
Fonte: Jornal do Brasil, 29/10/2004, Opinião, p. A-11

Pesquisa divulgada na semana passada nos Estados Unidos revela que uma em cada quatro famílias americanas tem dificuldades em pagar as contas no fim do mês, devido aos baixos salários. Tal como aqui, lá começa a sobrar mês no final do salário do trabalhador. Segundo o levantamento, muitos empregos, além de pagarem salários baixos, não oferecem nenhum benefício. Hoje, em cada cinco empregos nos EUA, um paga menos do que o necessário para manter uma família de quatro pessoas acima do nível de pobreza.

O levantamento não investiga causas desse empobrecimento da população, mas num país onde o peso da inflação sobre os salários é mínimo, fica claro que a competição estrangeira e a decorrente exportação de empregos é um motivo do achatamento da renda.

Os Estados Unidos começaram a sentir dentro de casa os efeitos da globalização que provocaram mundo afora. Muitas empresas americanas transferiram seus centros de atendimento a clientes para países onde os salários são baixos, como o Brasil.

Essa ''exportação'' de empregos levou o desemprego a atingir índices recordes, de tal forma que a questão virou um dos principais temas da campanha presidencial deste ano. O desemprego na era Bush é o prato predileto do seu concorrente John Kerry.

Isso leva a crer que o próximo governo dos EUA deverá voltar suas baterias para a recuperação interna do emprego e da renda, levando à proteção do seu mercado interno para criar os empregos que estão faltando e recuperar a renda que está sendo achatada. Os efeitos dessa proteção serão sentidos por todo o mundo, porém muito mais de perto pelos países que mais dependem das importações americanas.

Poderemos ter outras mil e uma dificuldades para o acesso dos nossos produtos ao mercado americano, com sobretaxas, tarifas sanitárias e toda forma de pressão como a que está sendo feita agora de maneira velada sobre o nosso programa nuclear.

Devemos traduzir essas restrições na provável redução de nossas exportações para os Estados Unidos e nos seus efeitos diretos sobre a economia brasileira, com impactos sobre a balança comercial, a produção e o emprego, que devem seu crescimento recente exatamente ao mercado exportador.

Por isso, em vez de ficar simplesmente torcendo por este ou aquele candidato, precisamos estar preparados para o significado real da eleição do presidente dos Estados Unidos no nosso dia-a-dia.

Precisamos voltar os olhos para o nosso mercado interno, que está cada vez menor. Mas isso exige retomar os investimentos, e eles não virão com as nossas taxas de juros. O Banco Central tem exagerado o uso desse instrumento na dose para combater a inflação.

Comecei esse artigo falando do agravamento da situação social e econômica americana, mas com os olhos voltados para a nossa situação interna. Não podemos perder de vista que a deterioração lá poderá agravar ainda mais a nossa situação cá, especialmente se não tomarmos as decisões adequadas e capazes de atenuar os seus efeitos e ao mesmo tempo abrirmos novos horizontes para o fortalecimento do nosso mercado interno.