Título: A crise depois da crise
Autor: Gláucio Ary Dillon Soares*
Fonte: Jornal do Brasil, 17/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

Quando um político não se reelege e volta para o Legislativo ou o Executivo por algumas semanas até o fim do mandato, o que ele faz? A resposta é pouco ou nada. Os americanos usam uma expressão, lame duck, um pato entrevado que não consegue caminhar, para caracterizar esses políticos e, também, as sessões deste período. A expressão vem do século XVII na Inglaterra e se aplicava, originalmente, a financistas falidos.

O desprestígio das instituições políticas e dos políticos, inclusive legislativos e legisladores é de tal ordem que já apareceram adesivos propondo o extermínio dos políticos. É improvável que essa tendência seja revertida porque os legislativos no Brasil demonstraram uma capacidade de auto-correção limitada. Os políticos brasileiros não votam contra seus próprios interesses e a leitura ''dos seus interesses'' é míope, é pessoal e imediatista. Temo que as CPI's virem um Coliseu Romano, uma arena para gladiadores do governo e da oposição, prolongando o decréscimo da credibilidade das instituições. É pior do que terminar em pizza. Se cassarem poucos, muitos dos que tiverem seus mandatos preservados serão cassados nas eleições. Eles sabem disso. Sua ação não será construtiva até o fim de seus mandatos - a partir de agora.

O problema não afeta, apenas, políticos eleitos. No setor público, muitos já buscam alternativas. Há aí uma lógica perversa: os mais competentes saem porque encontram trabalho fora do governo; mas os menos competentes se agarram a seus empregos. E o Estado, caro e ineficiente, cada vez merece mais a descrição de estado ''com impostos suécos e serviços africanos''.

Há mais. Dificilmente os partidos do governo evitarão uma forte perda nas eleições. O PTB é um partido condenado. Muitos petebistas trocarão de partido. O PT crescerá sem parar, mas os petistas eleitos em todos os níveis diminuirão. O PT, sem reforma social séria, nem ética, é igual a zero. Justiça social e honestidade eram suas bandeiras. Os partidos da oposição, ainda que possam sofrer outras derrotas parciais e localizadas, como o PSDB em Minas Gerais, deverão crescer, mas não o bastante para governar o país.

Não há, no momento, um partido, pessoa, ou força política capaz de agregar e formar maioria com que governar o país. Na política brasileira, é mais fácil desagregar e destruir do que agregar e construir. Roberto Jefferson, um deputado que muitos consideram símbolo de corrupção, demonstrou uma capacidade de desagregação política muito maior do que a capacidade de agregação de Lula, o outrora popularíssimo presidente do Brasil. Não será fácil para ninguém governar o Brasil.

E se Lula for reeleito? É uma possibilidade, como demonstram as pesquisas de opinião. Com quem governaria? O desprestígio do presidente é inegável. Passamos de Lula-lá para Lulla, com dois ''ll'' e cores, devido às sérias acusações de conivência e de corrupção passiva. Para seus críticos mais suaves reina e não governa, como a rainha da Inglaterra. A crise de governabilidade seria muito maior. Lula já é um lame duck. Fará pouco neste mandato e menos num segundo mandato.

Muitos argumentam que o presidente importa menos do que pensamos. A economia parece ter autonomia em relação à política. A inflação continua baixa (e baixando), a balança comercial vai muito bem e este ano ainda poderemos ter um crescimento acima de 3%. Mas não houve mudanças estruturais na economia e as taxas históricas de crescimento não permitem otimismo. Qualquer governo que empurrar tudo com a barriga, aceitando o desempenho medíocre, ainda que não calamitoso, da economia nas últimas décadas, condenará o Brasil ao atraso e à irrelevância. Vejam a renda per capita: com a taxa histórica recente, a partir de 1990, de 13 anos, o Brasil levará mais de um século para chegar onde a Dinamarca está hoje e 94 anos para alcançar o Japão de agora. Chegaremos onde a Alemanha está em 2102, e onde os Estados Unidos estão em 2125!!! Estamos com mais de um século de atraso. O Chile, melhor estruturado, em trinta anos alcançará a renda americana atual de US$ 35.750.

Além disso, a economia não é insensível à política. Há um limite. O caos político afeta a economia. Finalmente, governar não se limita à economia. Há muitas áreas que exigem boas políticas públicas. Há brasileiros morrendo. Se o país continuar desgovernado, 366.930 pessoas serão assassinadas deste ano até o fim do segundo mandato de Lula e 746,786 terão mortes violentas. Lula veria um milhão de brasileiros morrerem violentamente durante seus dois mandatos. Quase oito milhões falecerão de mortes naturais. Quantos seriam salvos por um governo competente e funcional? Quantos terão o epitáfio ''morto pela incompetência do governo'' - de Lula ou de outro?

Está na hora de que governo e oposição, nosso presidente, nossos deputados e senadores, se percatem de que estão assassinando muitos brasileiros e condenando o Brasil a um irrecuperável atraso de mais de um século. Se não mudarmos, com ou sem Lula, continuaremos caindo no fosso das nações irrelevantes. Não é hora de afundar nem salvar Lula ou o PT: É hora de salvar o Brasil.

*Gláucio Ary Dillon Soares é Professor e pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj)