Título: Policiais britânicos mentiram
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 17/08/2005, Internacional, p. A12

Investigação mostra que agentes que mataram brasileiro no metrô de Londres forjaram versão

LONDRES - O destino do eletricista brasileiro morto a tiros pela polícia britânica estava marcado no momento em que foi erroneamente identificado como um possível homem-bomba, em uma operação de vigilância conduzida de forma tão amadorística que compromete o mito de eficiência da Scotland Yard. A revelação foi feita ontem pela tevê britânica independente ITV News, com base em documentos que fazem parte da investigação independente ordenada pelo governo da Grã-Bretanha. A reportagem comprova, ainda, a tentativa dos agentes envolvidos de criar uma versão falsa na qual o comportamento do mineiro Jean Charles de Menezes os teria levado a julgá-lo como um dos terroristas que haviam falhado em explodir bombas na véspera.

O eletricista mineiro foi assassinado por uma unidade antiterrorista do Exército recém-criada. A ação visava à eliminação do grupo de quatro-homens que tentava uma segunda leva de ataques ao metrô e em ônibus londrinos. Na primeira, no dia 7, 56 pessoas morreram e centenas ficaram feridas.

Imagens do circuito interno de televisão instalado na estação e dentro do vagão, além de documentos e testemunhas citadas pela ITV News mostraram que o brasileiro não estava usando uma jaqueta acolchoada, como se havia afirmado. Também confirmaram que o rapaz caminhava calmamente pelas grades que separam o hall da estação de Stockwell das áreas de embarque no metrô. Depois de pegar um exemplar de um jornal gratuito, só teria apressado o passo quando soou o aviso de que o trem ia partir. Não corria e, desmentindo a descrição oficial, não pulou a catraca de controle. Segundo um primo, Jean sempre andava com um passe mensal.

As mesmas descrições apresentadas pelos policiais indicavam que a vítima levava uma mochila nas costas ¿da qual saíam fios¿. Na versão da família, Jean saíra de casa naquela manhã para fazer a instalação de um alarme contra roubo para um cliente. A imagem da ITV mostra que a explicação estava certa: não havia mochila alguma.

Os oficiais receberam a ordem de matar Menezes mas, enquanto corriam para a estação, o brasileiro não desconfiou que estava sendo seguido.

Declarações do dia 22 de julho davam conta de que a vítima entrava no trem quando foi detido e derrubado por um agente disfarçado. Com o brasileiro imobilizado, o policial o baleou oito vezes, sete na cabeça e uma no ombro. Na verdade, de acordo com as informações que vazaram, Jean Charles fora agarrado por um policial que o sentou ao seu lado. Este, de acordo com um depoimento à comissão, ouviu ¿um tiro atrás dos dois e, em seguida, o rapaz caiu no chão¿.

Esse integrante de uma segunda equipe de vigilância, que se disfarçou de passageiro no vagão, contou que o agente responsável pelos tiros estava em pé. ¿Tinha uma pequena pistola preta nas mãos, apontada a 15 centímetros da cabeça da vítima¿. A pessoa estava sentada em frente a Jean Charles e havia dado voz de prisão ao brasileiro, que não reagiu.

¿ O rapaz se levantou e caminhou até nossa direção. Eu então o imobilizei pelos braços e o forcei a sentar ao meu lado. Logo depois, ouvi os tiros e me joguei no chão ¿ contou. Até então, o grupo de ataque afirmara ter agido sem qualquer ajuda.

Para a rede, houve um erro trágico na operação de vigilância, quando os oficiais acreditaram que Jean poderia ser um dos homens-bomba. Uma das razões vem do fato de o agente disfarçado, encarregado de vigiar o prédio apontado como suspeito, ter confessado que não estava no posto no momento em que o brasileiro saiu para trabalhar. O policial disse que tinha deixado o local para urinar. Essa revelação desmontou um dos principais argumentos usados pelo chefe da Scotland Yard, Ian Blair, e por outras autoridades, para elogiar a ação policial.

O vigia declarou, no depoimento, que em função da ausência ¿teria sido importante que alguém mais tivesse dado uma olhada para se certificar¿. Ninguém se preocupou sequer em tirar uma foto do brasileiro durante o tempo em que Jean esteve em um ônibus que o deixou em Stockwell.

Mesmo assim, o Comando Ouro da Scotland Yard, chefiado pela policial Cressida Dicks, declarou ¿código vermelho¿ e acionou a unidade CO19 ¿ grupo equipado com armas de fogo e liberado para matar, ¿com um tiro e caso o suspeito em questão esboço uma reação que possa ser interpretada como agressiva¿. A equipe possuia fotos dos quatro suspeitos, mas nenhum dos integrantes se deu conta de que Jean Charles em nada se parecia com eles ¿ as prisões posteriores confirmaram: todos são negros e Jean é claro.

A polícia britânica recusou-se a comentar a reportagem enquanto o assassinato de Menezes estiver sendo investigado. Harriet Wistrich, advogada da família exprimiu a revolta dos Menezes:

¿ Houve incompetência de que vigiava e uma série falha de comunicação ¿ afirmou.