Título: A pedagogia da reação
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 22/08/2005, Opinião, p. A8

Seguro, tranqüilo e convincente, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, calou ontem a voz apressada das cassandras habituais que, na sexta-feira, já estipulavam prováveis substitutos para comandar a economia do país. Em pouco mais de duas horas, o ministro fez o que desde o início deveriam ter feito José Dirceu, José Genoino, Luiz Gushiken, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros morubixabas petistas: em vez de esconder-se sob a luz esmaecida dos discursos vazios, das falas contritas, dos argumentos mais toscos, Palocci veio a público e se defendeu com especial competência. Assim, tanto num viçoso pronunciamento quanto numa esclarecedora entrevista, concedida em perguntas livremente formuladas por jornalistas, o ministro não apenas respondeu categoricamente às acusações que lhe foram imputadas, como explicitou o rumo da política econômica e reafirmou sua autoridade e sua presença no ministério. Ao responder, uma a uma, às perguntas referentes à versão do ex-assessor Rogério Buratti de que recebia R$ 50 mil de propina na prefeitura, Antonio Palocci ratifica, sem a soberba de outros petistas, a continuidade da gestão macroeconômica da qual é responsável e, sobretudo, acalma a reabertura dos mercados hoje - inquietos no fim da semana passada pela inclusão do principal fiador da responsabilidade do atual governo no conjunto de denúncias que tem atormentado o PT e ameaçado o mandato do presidente Lula. A pronta resposta do ministro dá sobrevida ao Palácio do Planalto e promove uma trégua importante ao tiroteio a que o presidente vinha sendo submetido. Foi, afinal, o melhor momento do governo desde o início dessa longa e tenebrosa fase de turbulência. Os mercados dirão até onde acreditaram nas palavras de Palocci, mas há razões suficientemente consistentes para apostar numa reação serena dos investidores. Bom para o governo, alívio para o país.

Dois méritos específicos puderam ser identificados ontem. Primeiro, o ministro negou as acusações sem recorrer a frases como ''eu não sabia'' - recurso habitual e exasperador entre outros integrantes do PT e do governo. Disse Palocci: ''Eu sei do que eu fiz e sei do que eu não fiz. Posso afirmar que a possível contribuição ao caixa da prefeitura e os repasses ao PT não ocorreram. Isso não é verdade. E digo isso com a tranqüilidade de quem sabe que não é verdade.'' Outro mérito foi o ministro ter não somente recusado guinadas irresponsavelmente aventureiras na política econômica, assegurando os princípios que a sustentaram até aqui, mas rejeitado uma maior ortodoxia a ser promovida no restante do mandato de Lula - o que significa que o país não sofrerá mais apertos desnecessários em nome da confiança do Planalto frente aos mercados. É preciso que o eixo da atual política seja mantido, e o recado do ministro sugere firmeza e empenho nesse sentido.

Convém, no entanto, insistir: o Brasil necessita bem mais do que a confiança na condução do ministro da Fazenda para que, a despeito da crise, possa garantir vôos mais altos e tranqüilos. Valores essenciais da estabilidade assegurados como conquistas do país, Congresso e governo precisam sair do imobilismo e avançar na agenda inacabada de reformas - dentre as quais, ressaltem-se, as mudanças na legislação trabalhista, a reforma tributária e alterações mais substantivas no sistema político, partidário e eleitoral, além da reformulação do desenho do Estado e na repactuação do federalismo. Se a necessária faxina, a ser promovida nos meses seguintes, impedir que tal agenda se cumpra ainda neste, que se avance no debate desses temas, de modo que essas pautas se tornem a prioridade da próxima gestão. Disso dependerá a remoção dos escombros deixados pela crise atual e, sobretudo, a reconstrução política e institucional, necessária para que o Brasil não perca a esperança de um futuro mais vistoso.