Título: Missão é questão de honra, diz Amorim
Autor: Gisele Teixeira e Riomar Trindade
Fonte: Jornal do Brasil, 29/10/2004, Internacional, p. A-14

A troca de tiros entre os partidários do ex-presidente do Haiti Jean-Bertrand Aristide e os soldados brasileiros que integram a força de paz das ONU no país não irá alterar os planos do governo federal. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, admitiu ontem que há riscos, mas acrescentou que ''mandar soldados para a Amazônia também é arriscado, porque eles podem morrer de malária''.

O sucesso da missão virou uma questão de honra. Segundo o chanceler, o Haiti é hoje um ponto importante da política externa brasileira e o Brasil não deixará a reconstrução do país nas mãos de Washington.

- Nós temos que assumir os problemas da nossa região. 'Latinoamericanizar' o Haiti - ressaltou o diplomata.

O chanceler chileno, Ignacio Walker, que esteve esta semana em Brasília, reforçou a idéia.

-É a primeira ação da América Latina e do Caribe de ajuda solidária a um país da região e não pode fracassar - disse.

Os conflitos, ocorridos na tarde da última terça-feira, foram minimizados pelo assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, que viaja na próxima semana ao Haiti, para buscar um diálogo com o governo e as forças de oposição e avaliar as perspectivas de paz.

- Os tiroteios são um episódio menor tendo em vista a gravidade que o país vive hoje - afirmou Marco Aurélio.

Mas há relatórios que dizem que aumentará o risco de as tropas do Brasil serem vítimas de emboscadas com o acirramento dos confrontos entre as tropas do governo, as forças rebeldes e os grupos de ex-militares.

O emissário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá reafirmar o compromisso de ajudar o Haiti mas, ao mesmo tempo, recomendar moderação ao governo interino e apressar a ajuda internacional. As ações da força de paz, comandada pelo Brasil, visam ao controle de ações criminosas, dentro do programa de desarmamento iniciado depois da deposição do presidente Jean Bertrand Aristide, no princípio do ano.

Celso Amorim ressaltou que o Brasil quer mostrar que a missão ''não é a polícia do governo provisório''.

- Não estamos lá para reprimir. Somos uma força de estabilização. Estamos fazendo um tipo de ação absolutamente nova, não só para o Brasil como também para o Haiti. Queremos contribuir para a reconstrução efetiva do país - afirmou o ministro.

Segundo Amorim, o Haiti não pode ser considerado o ''filho rejeitado da América Latina'' e nem um ''caso perdido''.

- Estamos trabalhando em vários níveis, o que inclui a questão econômico-financeira e também política - disse.

No primeiro quesito, no entanto, o Brasil trabalha para que se completem as forças que foram prometidas. Dos 3 mil militares que estão no Haiti, 1.200 são brasileiros. Há ainda, argentinos, chilenos, uruguaios e espanhóis. Até o fim de dezembro, novos contingentes estão previstos para chegar ao país.

A China também enviou homens e, pela primeira vez, participa de uma força de paz.

-Ninguém é tolo de achar que os EUA reduzirão a influência no Haiti, mas não estamos lá para agradar americanos. Ou alguém vai dizer que Pequim está fazendo trabalho para Washington? - questionou.

Na Economia, o Brasil articula o apoio de líderes - como o chanceler francês, Michel Barnier, - e de organismos financeiros internacionais, para que todos trabalhem pela reconstrução do Haiti. Segundo Amorim, é preciso desburocratizar a ajuda.

- O Haiti não pode esperar - disse.

O chanceler ressaltou que há ações que podem começar agora, como a limpeza dos canais de Porto Príncipe, cheios de entulhos, o conserto de estradas e ainda dos postes de luz que caíram com os recentes vendavais.

- Não é preciso fazer projeto, e sim botar dinheiro e alguém para administrar de maneira honesta - disse Amorim.

O governo brasileiro também atua na área política.

- Se não houver uma perspectiva de diálogo entre as forças, e a certeza de que a eleição será limpa, obviamente a possibilidade de se manter a estabilidade fica comprometida - acrescentou o chanceler.

Uma missão como essa, segundo Amorim, tira o Brasil da situação de isolamento, ''de achar que o problema não é com ele''.

- É uma atitude absolutamente nova, de estender nossa solidariedade a um país do continente. Nós estamos fazendo hoje, atrasados, o que os africanos já começaram na África - finalizou o ministro.