Título: Blindagem ou bandagem?
Autor: Ubiratan Iorio
Fonte: Jornal do Brasil, 22/08/2005, Outras Opiniões, p. A9

Alguns analistas míopes vêm insistindo na tese de que o fato de nossa economia ainda não ter sido atingida pelos efeitos da roubalheira com que o governo petista tungou a nação pode ser interpretado como uma ''blindagem'' natural contra crises políticas, garantida pela austeridade fiscal e monetária de Palocci e Meirelles. É sempre bom lembrar que, em economia, há efeitos de curto prazo, que se vêm a olho nu, porque são imediatos, mas há os efeitos de longo prazo, que só a boa teoria econômica pode prever. Além disso, sabe-se que seus sinais costumam ser trocados, ou seja, quando os efeitos imediatos de uma política ou ação são benéficos, os de longo prazo costumam ser maléficos e vice-versa.

Todos sabem que, desde os anos 70, não se faz outra coisa no Brasil, em termos de política econômica, do que buscar resultados de curto prazo, que equivalem a meras bandagens colocadas sobre as grandes feridas, com o intuito de encobri-las, empurrar as soluções definitivas com a barriga e, dessa forma, iludir os eleitores. Ora, só os néscios não percebem que o superávit primário que o governo vem ostentando como uma grande vitória não passa de um esparadrapo mal colocado sobre a grande ferida, que é o déficit nominal, aquele que inclui os pagamentos de juros aos bancos brasileiros e ao exterior. Efetivamente, que gastos o Estado vem cortando nos últimos 20 anos? No governo do PT, vem ocorrendo um grande aumento em despesas permanentes, com a invasão de órgãos e empresas públicas por hordas de filiados despreparados e com a criação de inúmeros ministérios e secretarias. É fato irrefutável, também, que o superávit primário vem sendo obtido às custas de uma brutal elevação da carga tributária, ao lado da compressão dos gastos públicos em setores onde são essenciais, como a segurança, por exemplo.

É chegada a hora, face à gravidade do terremoto de corrupção que se abateu sobre nossas instituições, de reconstruí-las desde seus alicerces, evitando-se argumentos escapistas, como o de que não haveria tempo agora para reformas estruturais. Há tempo, sim, desde que haja disposição e patriotismo para isso e se passe a tratar os cidadãos com o respeito que merecem. Há tempo, sim, mesmo que se convoque uma Constituinte e se adie as eleições.

Primeiro, é essencial uma reforma política profunda, que introduza a fidelidade partidária, a cláusula de barreira e o voto distrital misto e o financiamento público das campanhas; segundo, uma reestruturação que busque o princípio federalista da subsidiriariedade política, administrativa e econômica, provendo a economia de eficiência e eduzindo as chances de corrupção que o atual sistema centralizado proporciona a qualquer bandido que se instale em gabinetes de Brasília; terceiro, com base nessas medidas, promover reformas tributária, previdenciária, administrativa e sindical que possam merecer esse nome; quarto, acabar com os vergonhosos programas humorísticos da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, adotando-se o debate de idéias cara a cara, o que acabará de vez com a influência perniciosa das agências de propaganda, que forjam imagens e promessas irreais e inexecutáveis para iludir o eleitor; e quinto, abolir a obrigatoriedade do voto, que é antitética à verdadeira democracia.

É hora, também, de se formular questões importantíssimas - e de solucioná-las rapidamente -, tais como: uma empresa cujo fim é entregar cartas, como a ECT, precisa ser estatal? O presidente da Casa da Moeda necessita ser indicado pelo partido A ou B, ou basta que seja um técnico de carreira? O Banco do Brasil, a Caixa Econômica, a Eletrobrás, a Petrobras e dezenas de outras fontes de empregos para afilhados de políticos precisam ficar com o Estado?

Sem esse ataque às causas, o tempo dirá que a ''blindagem'' não passa de bandagem.

Ubiratan Iorio (lettere@ubirataniorio.org) é presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (Cieep) e escreve às segundas-feiras nesta página