Título: ''PT tem como sobreviver no DF''
Autor: Mariana Santos
Fonte: Jornal do Brasil, 22/08/2005, Brasília, p. D3

Líder da bancada petista na Câmara Legislativa, a deputada Érika Kokay acredita que o Partido dos Trabalhadores, metralhado por denúncias de corrupção e uso de caixa 2 em campanhas, sobreviverá. Para poder empunhar novamente a bandeira da probidade nas próximas eleições será fundamental, segundo a distrital, expulsar da legenda os companheiros diretamente relacionados com o escândalo e provar que o resto do partido não sabia o que se passava nos bastidores. ¿Há um PT dentro do PT, pessoas que se vergaram aos métodos efetivados pelas elites¿, afirma a distrital. Para limpar a imagem do partido com a militância, Érika afirma que o próprio desempenho do presidente Lula no Palácio do Planalto ¿ que ela considera o melhor já visto no País ¿ ajudará na reconstrução. Ex-presidente do Sindicato dos Bancários e da Central Única dos Trabalhadores (CUT-DF), Kokay, em seu primeiro mandato parlamentar, aprova a política econômica, mas condena o excessivo superávit primário. Na mira dos ataques dos adversários ¿azuis¿, aliados do governador Joaquim Roriz, a petista, rebate: ¿não existe nenhum segmento mais corrupto no DF do que o que está instalado no Palácio do Buriti¿. Sobre a sucessão a Roriz, no entanto, ela prefere não arriscar qual será o quadro esperado diante da nuvem de incertezas que paira sobre as cabeças dos petistas. Em entrevista ao JB, a distrital, que já vinha criticando o posicionamento do senador Cristovam Buarque, que na última semana declarou que deixaria o PT e, poucos dias depois, recuou na decisão. Para ela, o ex-governador ¿não entende o que quer o PT¿. ¿ Quais as perspectivas do PT diante da sua crise atual?

¿ Tudo isso tem causado perplexidade ao conjunto do Partido dos Trabalhadores e, ao mesmo tempo, entristecimento por descobrir que havia um PT dentro do PT. Um grupo de dirigentes que se vergou às práticas que eram desenvolvidas neste país pela elite, e que o PT nasceu para combatê-las, nasceu com um patrimônio ético, e continua com ele. Há setores do PT que precisam ser punidos. O PT tem que voltar as suas origens, às idéias que movimentaram o partido, à matriz.

O partido então está longe do seu berço?

¿ O PT tem de retomar essa relação com mais profundidade para sair da crise, e retomar sua matriz, que é plural. Não vimos essa pluralidade no último período do PT, desde antes da eleição do Lula. Houve um segmento do partido que não democratizou nem socializou as ações do partido. Essa crise que vivenciamos é sintoma disso. Um grupo que viveu e construiu relações fora, sem conhecimento do conjunto do partido.

¿ E por que isso teria acontecido?

¿ Dois elementos: se aprisionou a relação do PT, inclusive eleitoral, a uma lógica de espetáculo. O que se gastou de publicidade é impressionante. Mercantilizaram as campanhas eleitorais. Outro, que para mim é doído: deixou de se apostar na potencialidade do partido e do povo. Quando você tem que utilizar esses métodos para buscar frutos eleitorais se está desacreditando em um partido que nasceu contra a corrente. Ser petista era sinônimo de exclusão em determinados meios políticos. O petismo foi por muito tempo responsabilizado pela direita que temia essa experiência inédita. Campanhas não tão caras podem também sensibilizar e dialogar com a população. Fomos governos em campanhas absolutamente desiguais do ponto de vista financeiro. A campanha da Erundina, da Maria Luiza, do Cristovam em 1994, foram desiguais do ponto de vista financeiro. O PT para continuar subterrâneo, utilizando esses métodos sem que ninguém tivesses conhecimento estava fadado, mais cedo ou mais tarde, a não corresponder mais à necessidade a que lhe deu origem.

O PT sempre teve uma votação expressiva no DF. Mas essa desilusão, com o estouro da crise, não poderia esvaziar as chances do PT?

¿ Não posso negar, sob pena de estar desconhecer a realidade, de que o PT vive uma crise de diálogo com a sua própria militância. E é por isso que estamos nos dispondo a romper com a perplexidade, romper com o entristecimento, e refundar, reorganizar o PT, resgatar os elementos que deram origem ao próprio partido, seja na sua composição interna, na sua democracia interna. O partido tem que ser democratizado. O Campo Majoritário tem de ser recomposto na perspectiva de possibilitar um pacto de aprofundamento da democracia interna do PT.

A senhora acredita na possibilidade de redução das bancadas?

¿ É possível. Eu diria que é cedo ainda... porque essa crise, com fatos novos ou sem eles, tende a ser alimentada até a próxima eleição, de forma potencializada, porque de repente se abriu uma fissura na estrutura do próprio PT, que é de responsabilidade de alguns dirigentes, não é de todo o partido. Cada um de nós, que temos a noção da importância do que é o PT, que possamos repactuar este partido, refundá-lo e restabelecer esse discurso. Do ponto-de-vista ético, os que estão no governo hoje, e seus defensores, não têm história. Outro elemento aqui no DF é que você tem uma falência de políticas públicas que está atingindo setores fundamentais na sociedade. Nunca se teve uma política de atendimento à criança e ao adolescente tão precarizada como estamos tendo no DF. Você nunca teve uma saúde tão caótica como estamos tendo no DF. Então, eu digo, o PMDB quer fazer um palanque, mas é um palanque de barro, com os pés de barro. É um palanque em cima das fissuras éticas cometidas pelo PT, que não são de responsabilidade dos parlamentares. E tem uma diferença. Se nós temos o melhor governo que este país já teve, nós também temos o governo que mais apurou as denúncias de corrupção. A corrupção está sendo apurada pela Polícia Federal, inclusive o próprio PT está sendo investigado pela Polícia Federal, o que seria inimaginável em governos anteriores. Nós nunca tivemos aqui uma CPI que estivesse funcionando com o apoio dos parlamentares do PT dentro da Câmara. E tem o apoio dos parlamentares do PT que estão contribuindo no processo de discussão e que não estão indo à CPI para impedir a sua apuração, mas estão contribuindo efetivamente para isso. Tivemos aqui uma denúncia de corrupção envolvendo a secretária de Educação, à época, ex-secretária que foi alçada à condição de consultora jurídica. Segundo denúncias que estão sendo apuradas pela própria CPI, transformou este cargo em um bunker para tentar defender parlamentares governistas na CPI da Educação. Tivemos aqui um caso de o diretor-geral da Belacap, o senhor Flores, que foi objeto de uma busca e apreensão na Polícia Federal, que encontrou na sua casa, pepitas de ouro, armas, dólares, e um patrimônio que não corresponde aos seus rendimentos. E ele continuou na Belacap.

Com relação à situação dentro do partido, hoje há possibilidade de uma inflação de nomes para as prévias. Que influência a crise terá nas prévias? A senhora acha que o partido vai lançar nome para ses candidato ao GDF?

¿ O processo é tão dinâmico que nós temos que ver como a crise se desenrola e que potencialidade ela vai ter. Não podemos prever o dia de amanhã. Existe uma imprevisibilidade imensa. Não sabemos o que acontecia e não sabemos o que vai acontecer amanhã. Esse é um quadro real. Nós que somos do PT, não sabemos quem vai ficar no partido. Esse é um outro elemento. É preciso que se acomodem as estruturas, para que você possa, a partir daí estabelecer a discussão. Por isso acho que é precipitado se fazer qualquer discussão de prévias neste momento, porque não sabemos dos desdobramentos da crise que estamos vivenciando e não sabemos nem qual vai ser a formatação do partido daqui a um mês e meio. Então é preciso que tudo isso se acomode. As pessoas que estão pensando em sair do partido em função da crise têm que ficar no partido, é importante que fiquem no partido para que inclusive o partido possa não hesitar em nenhum momento em punir todos os envolvidos e a partir daí se refundar e se repactuar com a sociedade. Esse não é o caso do senador Cristovam, que tem falado em sair do partido por divergências de uma avaliação do próprio governo Lula e do próprio PT. Deputados ou pessoas que pensam em sair têm que ficar, para valorizar os 25 anos de história.

A senhora acha que a saída do senador Cristovam já está acertada?

¿ Todos os movimentos do Cristovam, que muitas vezes não são muito claros ¿ uma hora fica, outra hora sai ¿ mas todos os movimentos do Cristovam indicam que ele não entende o que quer o PT. Que ele não entende que o PT não é um grupo de dirigentes que cometeu qualquer tipo de processo ético. E o PT foi construído e essa, é a sua qualidade, com a possibilidade que seja influenciado, uma possibilidade que foi distorcida no último período pelo domínio de um grupo sobre o conjunto do partido. Não falo sobre o domínio das operações que foram feitas, mas do domínio do ponto-de-vista político. Isso tem que ser rompido, tem que se resgatar a democracia interna. O governo não está fazendo tudo o que nós esperávamos que ele fizesse, tem esse superávit primário desta proporção. Ele é a mesma lógica da dona de casa que chega no final do mês e diz: "economizei 6%, gastei menos do que arrecadei; mas minha casa está destruída, meus filhos passam fome". Com país com tamanha desigualdade social havia que ser mais ousado em diminuir o superávit primário ainda que tenha que se manter o superávit primário para dar segurança ao desenvolvimento econômico para vencer o debate da disputa eleitoral. O senador Cristovam Buarque diz que o governo Lula não tem projeto, e que antes de perder a honra perdeu a causa. O que não é verdade. Se não tivesse, não teria proposta de universalizar serviços públicos básicos, de resgatar o desenvolvimento sustentável, e que a melhor coisa que Lula tem é a política de FHC, é um equívoco. O fato dele não ter feito tudo não pode servir de argumento.

Em que medida o PED vai influenciar nas prévias, uma vez que alas de esquerda e aliados ao campo majoritário. ¿ O PT sempre sofreu um processo com várias candidaturas. Essa é a riqueza do PT. Não vejo problema que as prévias tenham isso. Ajuda o partido a fazer a discussão política. É precipitado fazer qualquer discussão sobre as prévias, na medida em que há um quadro de instabilidade, uma crise em curso que precisa ser domada. O PT precisa se refundar. De toda sorte, o PED vai trazer uma discussão que se repetirá nas prévias, provavelmente, em um nível político. O divisor não é ético, porque todos nós queremos apuração e punição dos envolvidos. Discussão fundamental é qual projeto do partido, avaliação do governo. E segundo, a partir de quem ganhará o PED você tem uma linha mais forte dentro do partido.

O nome do Chico Vigilante como candidato a presidente do PT não pode ser encarado, pelas alas de esquerda, como ...

- O que pode provocar um atraso nessa refundação do partido e na repactuação com a sociedade é a arrogância. Acho que essa compreensão o deputado Vigilante também tem. Neste momento, precisamos contar com nossos melhores quadros, com maior representatividade, que compreendam e tiveram sua história misturada com a do PT. Agora, arrogâncias do tipo se o campo majoritário continuar, eu saio, por exemplo, é muito danoso neste momento.