Título: Lei boliviana influenciará mercado do Brasil
Autor: Douglas Abreu
Fonte: Jornal do Brasil, 29/10/2004, Economia & Mercados, p. A-20

Fazendo cumprir o resultado do referendo ocorrido em 18 de julho deste ano, quando o povo boliviano foi às ruas para dizer ao governo que o gás é nosso, ou melhor, deles, o parlamento, através de uma Comissão Mista de Desenvolvimento Econômico do Congresso, aprovou dia 20 de outubro as linhas gerais de projeto de lei que revoga a lei 1689 de 30 de abril de 1996, quando o estado boliviano privatizou sua indústria de gás. O projeto de lei que está sendo discutido aborda, dentre outros, os seguintes pontos: reconhece o gás natural como recurso estratégico, instrumento de desenvolvimento econômico e social e de política exterior; inclui a busca de uma saída econômica e soberana para o Oceano Pacifico ¿ motivo da saída do presidente anterior; recupera a propriedade de todos os hidrocarbonetos na boca do poço para o estado através da YPFB (Yacimentos Petrolíferos Fiscales Bolivianos); estatiza as ações dos Fundos de Capitalização Coletiva (AFP) das empresas Andina S/A, Chaco S/A e Transredes S/A, colocando a YPFB no conselho desta empresas; determina que os preços de exportação do gás em nenhum caso deverão ser inferiores aos praticados no mercado interno; cria a ANH (Agência Nacional de Hidrocarburos) que irá determinar as margens para as atividades de refino; e obriga que as comunidades indígenas deverão ser consultadas quando da ocasião de licitações e elaboração de EIA/RIMA, toda as vezes que forem executar projetos ou explorações de novos poços em áreas comunitárias de origem, ou seja, quase a totalidade do território boliviano.

E o que isto tem a ver com o Brasil? Primeiramente, os investimentos realizados pela Petrobras na Bolívia superam US$1 bilhão ¿ cabe lembrar que o Produto Interno Bruto boliviano é de US$ 8 bilhões, a oferta de gás em todo o Cone Sul é de 102 TCF (trilhão de pés cúbicos) e a Bolívia possui 41% do total, enquanto o Brasil tem 9%, sem considerar o potencial de Santos. A projeção de consumo de gás para o mercado brasileiro em 2014 é de aproximadamente 110 milhões de metros cúbicos/dia ¿ em 2004 deverá ser de 36 milhões de metros cúbicos/dia ¿ e deveremos importar da Bolívia naquele ano mais de 40% deste consumo, ou seja, boa parte do programa elétrico brasileiro, através de térmicas, dependerá da Bolívia.

Outros investimentos como o pólo petroquímico, o pólo siderúrgico no Mato Grosso do Sul, as unidades de fertilizantes, a rodovia Santa Cruz/Corumbá, a hidrovia no rio Madeira, investimentos de mais de US$ 3 bilhões, que dependerão, direta ou indiretamente, da nova lei.

Todos os países com interesses na Bolívia estão enviando representantes, inclusive o Brasil ¿ maior investidor e o que mais depende do gás vizinho ¿ para avaliar impactos. Cabe agora ao Executivo, sem representatividade no Congresso, negociar alternativas que atendam ao referendo e que não expulsem investidores estrangeiros do país, aliás, única alternativa de desenvolvimento para sua maior riqueza, o gás natural.