Título: Depois do terremoto
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 19/08/2005, País, p. A2

Walter Moreira Salles foi um brasileiro importante. Banqueiro, homem de sociedade, político, diplomata. Como empresário, transformou a casa bancária da família - naquele tempo em que cada cidade tinha o seu pequeno banco - em sólida instituição nacional, talvez em razão de sua prudência. Tratamos aqui de sua visão política. Há mais de 20 anos, o embaixador Walter Moreira Salles publicou artigo em que analisava o curso histórico do Estado, a partir da Revolução de 30. Ele se referia à inteligência dos homens que governaram o país nos 10 anos seguintes, de recessão, de confronto ideológico feroz, de preparação do mundo para a Segunda Guerra. Com todos os problemas havidos, concluía, Vargas e seus colaboradores haviam construído um Estado moderno. Entre outras medidas que permitiram o acelerado desenvolvimento do país, citava o controle de câmbio e a vigilância cuidadosa sobre a moeda, com a administração rigorosa das entradas e saídas de capital. Essa política era executada pelo Ministério da Fazenda, mediante a Superintendência da Moeda e do Crédito, que arbitrava o valor da moeda e autorizava as operações cambiais.

Se examinarmos com isenção como funcionava o sistema, podemos concluir que a criação do Banco Central foi mau negócio. Não há notícias de escândalos cabeludos que envolvessem a Sumoc, como os há envolvendo o Banco Central. Houve outros avanços singulares, como a criação do DASP, que pretendia dotar o Brasil de burocracia profissional estável, mediante concurso público e cursos de aperfeiçoamento. A Fundação Getúlio Vargas, instituída a fim de preparar quadros qualificados para a administração, foi fundada meses antes da famosa ENAP, da França (a FGV em 20 de dezembro de 1944, e a ENAP em 9 de outubro de 1945). Getúlio e De Gaulle tinham a premonição de que a administração pública seria, no pós-guerra, atividade complexa e exigiria quadros bem preparados e bem remunerados.

Aos servidores admitidos em concursos públicos - não obstante os expedientes de alguns governos para a nomeação de apadrinhados, com os famosos "interinos" -, o Estado se organizou para promover o desenvolvimento extraordinário dos anos 50, sem que as instituições permanentes se abastardassem. Houve parlamentares corruptos, houve empresários aventureiros, houve estelionatários famosos, mas se tratava de ocorrências inevitáveis, que não impediam o desempenho geral da administração, confiada aos servidores de carreira.

Os governos militares cometeram os erros conhecidos (e provavelmente alguns desconhecidos). Não obstante a austeridade pessoal dos "presidentes", houve também corruptos e corruptores. Alguns se enriqueceram e vivem como nababos no exterior. Embora tenham preservado o essencial do Estado Nacional, os governos militares foram responsáveis pela perversa terceirização de mão-de-obra, que faz lembrar o aluguel de escravos dos tempos do Império, e, com isso, transformou privilegiados pés-rapados em multimilionários. Mas o mito do "estado mínimo" trouxe o desmonte deliberado da administração, iniciado pelo Fernando Collor e acelerado entre 1995 e 2003. As revelações das CPIs em andamento nos mostram um Estado vulnerável à bandalheira, como se fosse imenso edifício destruído por terremoto e saqueado por vândalos. Não há mais portas, nem paredes. Os vigilantes repartem com os saqueadores os bens retirados dos escombros, e as pessoas honradas a tudo assistem da rua, sem que possam reagir. Os próprios guardiães da moeda criaram condições para o peculato e a lavagem de dinheiro, com a permissão para a entrada e saída de capitais sem qualquer controle, como ficou evidente no caso do Banestado: o Banco Central simplesmente abriu a ponte para que, nas águas do Paraná, se lavasse o dinheiro sujo.

Não bastam remendos legais para preservar a República democrática. É preciso reconstruir o Estado. Reconstruí-lo, mediante a razão política. Mas, infelizmente estamos carentes de razão. E de Política.