Título: Polícia tentou impedir investigação
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 19/08/2005, Internacional, p. A8

A repercussão do erro trágico e das mentiras que mancharam a reputação do governo e da polícia britânica reforçaram ainda mais a suspeita em uma farsa oficial montada para encobri-lo. Ontem, a Comissão Independente para Reclamações da Polícia (IPCC, na sigla em inglês) acusou a polícia metropolitana de afastá-la por três dias da investigação da morte do brasileiro Jean Charles de Menezes.

A denúncia soou como uma bomba para o comissário chefe da Scotland Yard, Ian Blair, que justificou o episódio, em entrevista à BBC, como ''uma em 57 mortes no contexto do maior inquérito criminal da história'' do Reino Unido. Documentos divulgados pela tevê britânica ITV, cuja fonte foi afastada do cargo - provavelmente alguém na comissão - à noite, mostraram que o vigia do prédio em que morava o brasileiro negou comportamento suspeito.

''A polícia inicialmente resistiu à nossa entrada nas investigações, mas superamos isso'', confirmou o vice-presidente da IPCC, John Wadham, em comunicado. ''Essa disputa atrasou nosso trabalho'', continuou. A comissão reuniu-se ontem com as advogadas Gareth Peirce e Harriet Wistrich, que classificaram o caso como ''bagunça caótica'':

- Esse atraso fatal pode representar a perda de evidências vitais para a investigação. Pedimos à IPCC para descobrir o quanto é incompetência e negligência e o quanto disso pode ser algo ainda mais sinistro - disse Peirce após o encontro.

A imprensa britânica acusa Ian Blair de tentar acobertar o erro. No dia em que o eletricista brasileiro foi morto, o comissário teria recomendado a John Grieve, secretário do Ministério do Interior, uma investigação interna da polícia. Para Blair, a intervenção da comissão independente poderia prejudicar as investigações dos atentados de 7 e 21 de julho.

Em resposta, Blair diz ''não concordar que a morte'' de Jean ''irá definir seu cargo'':

- Um alto funcionário da polícia escreveu sim ao Ministério do Interior, mas para informar que estávamos numa situação única e o que deveríamos fazer. Eu e todos os que me aconselharam acreditávamos que o morto era um homem-bomba. Tomamos os procedimentos adequados à situação - afirmou ao jornal Evening Standard.

O chefe da Scotland Yard rejeita o fato de que as denúncias afetam a integridade:

- É claro que um erro foi cometido, porque era um inocente. Agora é hora de ir adiante e saber o que houve. Declarei antes que o método que usamos parece ser ''o menos pior'' e creio nisso. Ainda usamos esse procedimento - sustentou Ian Blair.