Título: Duelo entre os homens do presidente
Autor: Paula Barcellos
Fonte: Jornal do Brasil, 20/08/2005, País, p. A5

As forças de sustentação do governo Lula vêm caindo por terra. Primeiro, foi o deputado José Dirceu (PT-SP). À frente da Casa Civil até o fim de junho, o ''homem do presidente'', como ficou conhecido, foi afastado do cargo após denúncias de envolvimento no esquema do mensalão. Agora a mira está no ministro da Fazenda Antonio Palocci, que até então passava ileso pela crise. Com o depoimento do advogado Rogério Buratti, Lula periga perder mais um homem de confiança.

Por trás da aparente afinidade e de uma unicidade de vozes, a dupla do presidente escamoteava um dos primeiros rachas do governo Lula. Ainda em 2003, veio a primeira discordância: em pauta a reforma da Previdência. Enquanto Palocci defendia a mudança a partir de seu texto original, que ''reequilibraria as contas públicas e daria início a um ciclo virtuoso na economia'', Dirceu queria incluir novas medidas, propostas dos magistrados para a paridade e a integralidade aos servidores - garantia da aposentadoria no valor do último salário. Lula bateu o martelo e quem levou a melhor foi Palocci.

Desde então, a tensão entre os dois pólos mais fortes do governo ficava cada dia mais evidente. No comando político, Dirceu aumentava suas divergências com a área econômica. E Palocci também não deixava por menos. As estratégias traçadas pelo ministro da Fazenda incomodavam tanto o chefe da Casa Civil que, na época, chegou a desabafar em seu gabinete no Planalto: ''Se eu sair daqui isso acaba''. Foi apenas o início de muitas ameaças.

A autonomia do Banco Central, defendida por Palocci para aumentar a confiança nos investidores externos, foi basicamente ignorada por Dirceu no Congresso. Suas energias, segundo informações que circularam no Planalto, estavam dedicadas ao pedido de demissão do secretário do Tesouro Nacional Joaquim Levy. O homem forte de Palocci permanece no cargo.

Na política de juros, mais desgaste. De um lado a aprovação de uma redução gradual, defendida pelo ministro; do outro, o pedido de mais ousadia pelo petista. Visões opostas até na reforma agrária: enquanto Dirceu estabeleceu a meta de 100 mil famílias assentadas por ano, Palocci reforçava a limitação de assentamentos para não comprometer a dívida pública.

Em relação ao pagamento das dívidas judiciais aos aposentados, Palocci, em 2003, pretendia disponibilizar R$ 4 bilhões. O ex-chefe da Casa Civil contra-argumentou, justificando que esse seria um problema para ser resolvido após as eleições municipais de 2004.

A tensão entre os dois chegou ao auge no fim de 2004, quando o próprio presidente Lula declarou não ter gostado das trocas de farpas entre os seus homens de confiança, fossem nos bastidores do Congresso ou publicamente.

Como resposta ao pedido do presidente, Palocci passou a apoiar Dirceu nas articulações do PT para tentar derrubar o então ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo. Uma resposta um tanto enviesada, já que Lula resistiu enquanto pode o afastamento de Rebelo.

Esses momentos de conflitos verbais e ideológicos foram repetidamente carimbados por Palocci como uma espécie de ''fogo amigo''. Mas que, no fundo, como a atual crise política está revelando, serviu para abalar ainda mais as estruturas do governo.