Título: Campanha pela verdade
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 20/08/2005, Internacional, p. A8

Cansada das mentiras da polícia, família quer apoio da população britânica para forçar a renúncia do chefe da Scotland Yard

LONDRES - O que ainda não veio a público certamente não justificará a morte de Jean Charles de Menezes, executado no metrô de Londres em uma das maiores trapalhadas da famosa Scotland Yard. Provavelmente só vai aumentar a indignação geral e condenar a reputação da polícia, empenhada em montar uma operação de encobrimento para livrar os agentes de responsabilidade. Em entrevista coletiva, o primo do eletricista, Alessandro Pereira, e amigos que lideram a campanha ''Justiça para Jean'' mostraram-se cansados das ''mentiras atrás de mentiras'', exigindo a renúncia do chefe da polícia, Ian Blair. E pediram ao primeiro-ministro, Tony Blair, uma investigação ''transparente e independente''.

Ontem, quase um mês depois do incidente e em função de a farsa ter sido desmascarada, a polícia finalmente abriu inquérito para avaliar os procedimentos operacionais que levaram ao crime. O Director of Professional Standard (um departamento de assuntos internos) vai julgar a ação da instituição e será mais uma fonte de investigação do caso, além da Comissão Independente para Reclamações da Polícia (IPCC) e da Scotland Yard.

O governo brasileiro, que na quinta-feira divulgou nota na qual se dizia ''indignado'' com as revelações, acerta os últimos detalhes da missão formada por Wagner Gonçalves, subprocurador-geral da República e corregedor-geral do Ministério Público Federal, e Márcio Pereira Pinto Garcia, diretor-adjunto do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça. Os dois chegam a Londres segunda-feira para ''obter esclarecimentos''.

A imprensa britânica deu destaque ao tom pouco diplomático do Itamaraty, indicando que a decisão de acompanhar o processo de perto é uma manifestação explícita de desconfiança quanto à sinceridade das promessas do ministro das Relações Exteriores, Jack Straw, ao colega brasileiro, Celso Amorim.

Sobram motivos para isso. Os jornais destacaram também que na tarde do dia 22, quando o corpo de Jean ainda estava na estação de Sctockwell, Ian Blair defendeu, em entrevista coletiva, a política de atirar para matar e a vinculação do suspeito com os terroristas. Naquele momento, no entanto, o chefe da Scotland Yard já sabia que o morto era um inocente e não um homem-bomba. Para Alessandro, o chefe da polícia deve ser punido por tentar acobertar os fatos:

- Eles mataram Jean e mentiram. Queremos os responsáveis julgados e condenados. Sabiam que era inocente e mesmo assim, Ian Blair deixou minha família sofrer por três semanas - completou, referindo-se à demora do britânico a assumir o erro. - Se realmente desconhecia que meu primo era inocente, por que não sabia? E se sabia, por que não disse a verdade? Em respeito à minha família e aos londrinos, deve renunciar.

Blair já declarou que não sai. Cobrado sobre a mentira na entrevista, reagiu assumindo ter errado, mas rejeitando estar tentando encobrir os agentes que atiraram em Jean. Alessandro não se conforma com a versão de que tenham confundido o primo com um terrorista. A desculpa oficial de que seu comportamento era suspeito é vista com desprezo:

- Imaginem o que sentimos quando nos disseram que ele estaria ligado a terrorismo. Que parecia uma homem-bomba, usava um casaco pesado e correu da polícia - disse. - Quero que pensem como foi ter de ligar para os pais de Jean no Brasil e dizer a eles que o filho estava morto por ter sido confundido.

As autoridades foram criticadas também por sustentar a mentira até durante encontro com a família do eletricista em Gonzaga, Minas Gerais:

- Será que pensam que por sermos pobres não merecemos a verdade? - perguntou. - Por que não houve investigação independente por seis dias? Se não havia o que esconder, por que Ian Blair impediu?

O primeiro-ministro Tony Blair não escapou. De férias, não se pronunciou em relação às revelações da rede de tevê britânica ITV. Alessandro quer que o premier aponte os responsáveis por esse ''catálogo de erros''.

A porta-voz da campanha, Yasmin Khan, anunciou que será realizado ato na segunda-feira, quando a morte de Jean completa um mês, em Downing Street, 10, endereço do premier. A intenção é, com apoio dos londrinos, exigir uma investigação pública que exponha ''a incompetência da polícia britânica''.

- Já não confiamos na polícia. Não sabemos quanta informação se perdeu enquanto a IPCC ficou fora do caso. À essa altura, ainda não confirmaram se as câmeras de vigilância gravaram ou não a ação policial - declarou Khan. Na próxima semana, três primos de Jean voltarão a Londres para acompanhar o andamento das investigações. Os pais irão na semana seguinte.