Título: A economia pauta a política
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 21/08/2005, País, p. A2

Atravessamos uma crise. Mas que crise é essa? Uma crise produzida a partir de denúncias de corrupção na relação entre o Executivo e o Legislativo. Uma crise do governo Lula e do PT que, ao se espalhar, compromete um pouco mais a imagem dos políticos perante a opinião pública. Antes dela, boa parte dos analistas dizia que só um ¿milagre¿ tiraria a reeleição de Lula. A crise se transforma no ¿milagre¿ tão esperado pela oposição. As vantagens eleitorais do ocupante do cargo público para uma próxima eleição vão sendo minadas a partir da ação coordenada de desgaste da imagem de seu governo. Trata-se, porém, de uma disputa democrática entre situação e oposição em meio a denúncias de corrupção. Não vivemos uma crise generalizada ou das instituições. A garantia da manutenção da política econômica do governo torna-se o ponto-chave do conflito político. A oposição procura vincular a corrupção aos alicerces do governo. A situação procura implicar a oposição na história dos supostos esquemas de corrupção. Espalhando responsabilidades talvez seja possível atenuar o ímpeto punitivo. Ocorre que o amontoado de denúncias contra o PT e o governo, associado aos discursos desencontrados e trapalhadas palacianas, agravam a condição de sustentação das versões. O governo fica acuado. A questão que fica no ar: quais os desdobramentos dessa crise? Vai dar no impedimento do presidente? Processos de impedimento ou cassação são decisões políticas, não jurídicas. Depende mais das condições de sustentação política das partes envolvidas do que de provas judiciais. Por essa razão é possível falar em cassações a partir de denúncias não comprovadas. O que se tem são confissões de caixa dois. Além disso, depoimentos acusando isso ou aquilo. O impedimento do presidente, portanto, depende de suas condições de sustentação política, por um lado, e dos interesses e cálculos políticos dos resultados esperados por parte dos que a ele se opõem. O cenário é curioso.

Lula vem perdendo gradativamente, segundo as pesquisas, o apoio popular. O governo do PT encontra sua principal base de sustentação em sua política econômica e nos agentes do mercado financeiro que não querem mudanças em sua condução. Ao menos por enquanto, preferem não correr os riscos representados por incertas substituições políticas. Por outro lado, os grupos identificados como mais a esquerda, dentro e fora do PT, hipotecam seu apoio ao governo à mudança na política econômica, o que significaria, na prática, sua derrocada final. A oposição, que descarta, por hora, o impedimento de Lula, não pode contrariar os interesses destes agentes econômicos, antigos parceiros. A estratégia do PSDB para voltar ao governo, anunciada há algum tempo, já encontra eco dentro do próprio PT e na imprensa: a crise não terá fim enquanto Lula não assumir sua negligência nos casos de corrupção e declarar que não vai disputar as eleições em 2006.

A denúncia feita por Rogério Tadeu Buratti, assessor de Antonio Palocci quando ele ainda era prefeito de Ribeirão Preto, na qual afirma que o atual ministro da Fazenda recebia R$ 50 mil por mês das empresas de coleta de lixo da cidade é mais um duro golpe, agora contra o grande pilar de sustentação do governo, a manutenção da sua política econômica. Independente da veracidade ou não da afirmação, sua repercussão pode se transformar no instrumento que faltava para o cerco final às pretensões políticas de Lula.

*Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio.