Título: Lula reage com espanto e inércia à crise política
Autor: Rose Esquenazi e Aimée Louchard
Fonte: Jornal do Brasil, 21/08/2005, País, p. A9

Enquanto o país vive momentos de perplexidade com o festival de denúncias que a cada dia ganha novos capítulos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem apresentado reações freqüentemente contrárias às expectativas da população. Na última sexta-feira, quando novas acusações atingiram o Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, o país prendeu a respiração diante da TV. O presidente admitiu ''estar tranqüilo'', além de convicto de que tudo será esclarecido. Para a psicanalista Halina Grynberg, do ponto de vista psíquico, o comportamento do presidente é típico de quem está em choque:

- Ele vive o que chamamos de ''quadro de estupor traumático''. O mundo está desabando à volta dele e Lula não tem o que fazer. Esse espanto, a sensação de ''isso não podia estar acontecendo comigo'', é mais freqüente do que imaginamos. Uma pessoa num cenário destes não faz nada porque o mundo exterior a supera - analisa.

No parecer da psicanalista, o olhar parado, o discurso de incredulidade e a posição de nem contra-atacar nem fugir, revelam o espanto de quem nunca previu que pudesse se ver envolvido em um acontecimento deste porte.

- A reação de espanto e inércia é natural como a de qualquer um de nós. Só que o presidente não é igual a qualquer um de nós - conclui Halina.

A psicanalista e professora de Psicologia da UFRJ Ruth Cohen compara a atitude do presidente Lula a de um pai que perdeu as rédeas de sua família. Ela ressalta que o pai é o representante da lei.

- O momento em que vivemos é uma amostragem da completa destituição da lei na sociedade brasileira. A perversão tomou conta do tecido social. Todos querem usufruir de todos os bens o tempo todo, sem freios - afirma a psicanalista, que vê a imagem de Lula paralisado e atônito, sinalizando angústia e anestesia psíquica.

- Ele está vivendo o maior conflito de sua vida. Como o pai desfeiteado publicamente pelo filho, sente-se humilhado e acuado por não saber como se explicar à família, nem cobrar responsabilidades ou estabelecer punições. É um momento de grande angústia. E angústia demais paralisa - detalha Ruth.

O psicanalista Lindenberg Rocha explica que Lula passa por um momento de ''denegação'', em que ele nega que nega porque não quer acreditar no que está acontecendo:

- Para quem chegou ao poder como um messias, Lula está vivendo o contrário disso, a desesperança - avalia Lindenberg, que vê uma grande decepção entre os eleitores.

- Eles viveram o ideal de salvar o Brasil sem participar da cúpula e do plano de poder. Pelo menos, o sonho era curto para a turma de Lula. Ele queria ficar 10 anos no governo, enquanto Collor pensava em 20, e Hitler, em mil - lembra.

Mesmo negando a realidade, o psicanalista não tem dúvidas de que, em breve, o presidente vai ter de cair na real. Ninguém, segundo ele, tem uma estrutura tão sólida para suportar tamanha pressão e denúncias.

- Mesmo porque a nossa identidade é baseada no nosso grupo social. E, se todos começam a cair, a gente cai também - prevê Lindenberg.

Ao contrário de muitos brasileiros, o antropólogo Gilberto Velho afirma não estar surpreso com a atitude de distanciamento da crise assumida pelo presidente:

- Lula tem grandes qualidades e um passado relevante como líder sindical, mas está confirmando que não consegue assumir a postura de chefe de Estado pois não tem experiência política.

Para Velho, o povo brasileiro espera que Lula assuma uma posição de liderança capaz de superar a crise.

- Na posição de estadista, ele não pode proteger nem ignorar a existência de grupos mafiosos que se instalaram e contaminaram parte do governo - destaca o antropólogo que vê o papel do presidente da República de grande responsabilidade e forte representação simbólica:

- A sociedade espera que Lula rompa com esse esquema e que haja um esforço conjunto das forças políticas para debelar esta crise em nome do projeto nacional e da democracia.