Título: Uma chance à paz, George
Autor: Rozane Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 21/08/2005, Internacional, p. A13

Até Cindy Sheehan aparecer na porta do rancho de George Bush, em Crawford, no Texas, as discussões sobre a guerra no Iraque dividiam os Estados Unidos entre os que a apóiam e os que a condenam. Mas, depois que a californiana de 48 anos começou a infernizar as férias do presidente, insistindo em tentar lhe perguntar cara-a-cara por que ''causa nobre'' o filho Casey, de 24 anos, morreu no Golfo em 2004, o ''Furacão Cindy'' mexeu com o coração do país e muitos têm deixado as discussões políticas de lado para pedir, simplesmente: ''Traga nossos filhos para casa''.

A campanha iniciada em 6 de agosto por Cindy Sheehan personalizou o drama de mais de 1.800 famílias que já perderam seus filhos para a guerra de Bush. Fez lembrar, guardadas as devidas proporções, as argentinas Mães da Praça de Maio, que foram para as ruas falar da mesma dor - a diferença é que lá, o luto foi causado pela ditadura militar, que, embora tenha matado algumas, não calou o movimento. E deu a outras mães a coragem de também protestar contra a tal ''causa nobre''. O que talvez a Casa Branca não esperasse é que à Cindy Sheehan se juntariam outras dezenas de mães no Texas e outros milhares por todo o país, que, na última quinta-feira, fizeram protesto no melhor estilo Paz e Amor, remetendo à época em que o cidadão americano percebeu o tamanho de um erro chamado Guerra do Vietnã.

- São as mães que vão acabar com essa guerra. Agora, aquela história de ''apoiar os soldados'' tem um único significado: trazê-los de volta - disse ao JB Karen Meredith, de 51 anos, de Mountain View, Califórnia, estado que perdeu mais homens: aproximadamente 200. O segundo em mortes é o Texas de Bush: cerca de 170.

Karen é mãe de Ken Ballard, seu único filho, morto aos 26 anos, em Najaf, em 30 de maio de 2004. Era o feriado dedicado aos americanos mortos em combate, o Memorial Day. Quando os oficiais do Exército chegaram, Karen não estava em casa. Esperaram por duas horas e foram até uma vizinha, que ligou e deu a notícia à mãe de Ken. No caminho para casa, foi ligando para outros amigos e pediu para estarem com ela quando tivesse de conversar pessoalmente com os enviados do governo.

A dona-de-casa descreve seu primeiro sentimento como ''muita raiva''. Depois, ''uma tristeza profunda''. Hoje, está desembarcando no Texas para se juntar ao protesto que Cindy iniciou perto do rancho de Bush.

- O presidente disse que não vai falar com Cindy porque já a recebeu ano passado. Bem, ele nunca me recebeu. Vou lá para o rancho dele e só saio quando vier falar comigo - promete Karen.

O filho da francesa naturalizada americana Nadia McCaffrey, de 53 anos, se alistou logo após os atentados de 11 de setembro de 2001. No dia 2 de junho de 2004, Patrick McCaffrey morreu aos 34 anos em Balad. Era casado e tinha dois filhos: uma menina de 3 e um menino de 10.

- Ele estava chocado e queria fazer algo. Mas não queria ter ido. Quando chegou lá, percebeu que tudo o que tinham dito era mentira. Dizia: ''Mãe, eu não sei por que a gente está aqui. Não estamos ajudando esse povo. Não estamos reconstruindo nada''. Quando ele morreu, decidi que cada centímetro de meu corpo seria contra a guerra - contou Nadia, de seu celular, na sexta-feira à noite.

Também estava no acampamento próximo ao rancho de Bush. Decidiu ir porque está convencida de que o movimento iniciado agora por Cindy Sheehan vai fazer a diferença.

Nadia também não estava em casa quando os oficiais bateram à sua porta. Estava fora da cidade onde mora, Tracy, também na Califórnia. A mulher de Patrick foi quem ligou. Mas estava em plena crise de nervos e não conseguia se fazer entender. A sogra pediu, então, que passasse o telefone para alguém. Ela passou. Para um dos militares. Foi ele quem deu a notícia: ''Sra. McCaffrey, seu filho morreu baleado''. Nadia conta que só teve forças para perguntar: ''Meu filho?'' Após a confirmação, dirigiu de volta para casa. É aí que Nadia interrompe seu relato na sexta-feira e chora ao telefone. A poucos metros da fazenda onde o presidente passa férias.

Depois que o filho morreu, Nadia e outros parentes de soldados mortos na guerra foram ao Iraque. Tinham que ver com os próprios olhos o inferno que seus filhos e maridos descreviam. O sentimento que teve assim que chegou é difícil de descrever e Nadia resume, dizendo apenas que jamais vai se esquecer dos 10 dias que passou no país e na Jordânia. Na ocasião, o grupo levou US$ 6 mil para famílias iraquianas desassistidas. Desde então, resolveu que nunca mais pararia de se manifestar publicamente contra a guerra, que chama de ''imoral'':

- Acho, mesmo, que, se mantivermos a pressão e se o mundo se juntar à nossa luta, algo vai acontecer.

Uma das maiores pacifistas dos EUA, Medea Benjamin, de 53 anos - duas filhas, de 15 e 24 -, fundou a ONG Code Pink, Women for Peace, que se opõe radicalmente à guerra.

- Cindy é a pessoa certa, no lugar certo, na hora certa. Ela personifica a perda das mães. Não há justificativa para essa guerra. Bush sempre soube que não havia armas de destruição em massa. Todos os argumentos eram mentira. Temos um sentimento de desilusão - disse Medea, na sexta-feira, de Crawford.

Autor de ''Canção para Cindy Sheehan'', o cantor pacifista David Rovics concorda com Medea:

- O filho de Cindy era como qualquer menino americano. As pessoas têm esse sentimento: ''Podia ter acontecido com meu filho''.