Título: Convocação de Toninho da Barcelona não altera rotina de doleiros
Autor: Fausto Macedo
Fonte: Jornal do Brasil, 28/08/2005, Nacional, p. A14

No Brasil do mensalão, a convocação de Toninho da Barcelona, suposto doleiro do PT, para depor em 3 Comissões Parlamentares de Inquérito - Correios, Bingos e Mensalão - causou impacto na base aliada do governo e provavelmente uma forte dose de preocupação no Palácio do Planalto, mas não afetou decididamente o milionário mercado paralelo do dólar. Os grandes doleiros, e os menos expressivos também, estão na praça. Operam livremente. Estimativas extra-oficiais de procuradores, juízes e autoridades policiais indicam que US$ 50 bilhões estão internados em paraísos fiscais sob a custódia de doleiros brasileiros.

Os doleiros não parecem aflitos com a repercussão sobre o que Barcelona dirá ao Congresso - eles têm certeza que o colega não apontará nomes dos beneficiários das operações clandestinas - e não acreditam que serão atingidos pela nova lei de combate à lavagem de dinheiro que o presidente Lula anunciou quarta-feira.

Na Avenida São Luiz, maior concentração de doleiros de São Paulo, eles têm reclamado apenas da redução do volume de dinheiro em circulação - calcula-se que o movimento tenha caído até 50%. O espetáculo das CPIs inibiu fraudadores do Tesouro e agremiações políticas que mantinham contabilidade paralela. Mas os doleiros acreditam que a situação voltará à normalidade assim que deputados e senadores encerrarem suas investigações.

Um doleiro com vasta experiência, jamais molestado pela fiscalização, observou na última quinta que houve um breve período de apreensão entre os doleiros em agosto de 2004, quando a Procuradoria da República e a Polícia Federal deflagraram a Operação Farol da Colina e mandaram para a prisão 62 deles. Entre eles, Antonio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona - condenado a 25 anos de prisão, ele diz conhecer segredos do PT.

A missão integrada teria até merecido a desaprovação do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Segundo o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), denunciador do mensalão, Dirceu reclamou da falta de recursos em caixa no PT e condenou a Farol da Colina, atribuindo à PF um perfil "meio tucano" - com a prisão dos maiores doleiros, o dinheiro de políticos e empresários ficou bloqueado no exterior, impedindo a repatriação e o reabastecimento dos cofres do PT.

"Não é possível combater a lavagem de dinheiro, sem tratar com seriedade o mercado de câmbio negro no Brasil", alerta o juiz federal Sérgio Fernando Moro, especialista na condução de processos criminais sobre evasão de divisas e ocultação e dissimulação de valores de origem ilícita.

"Não se imagina um doleiro comunicando operação suspeita ao Coaf", destaca o magistrado, referindo-se ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras, que tem incumbência de rastrear movimentações mais alentadas. "Identificados grandes doleiros, que fazem dos crimes financeiros, tributários e de lavagem a sua atividade habitual, torna-se necessário adotar providências para interromper a continuidade da prática e impedir o risco de fuga, que é real em virtude de seu elevado poder econômico e da manutenção de recursos expressivos e não declarados no exterior."

A proposta de Lula para combate à lavagem de dinheiro amplia os poderes do Banco Central sobre as transações promovidas pelas instituições financeiras, mas os doleiros não se utilizam desse canal. "Os doleiros não passam pelo sistema formal", anotou o promotor de Justiça Silvio Marques, que investiga improbidade e enriquecimento ilícito de políticos e servidores públicos. "Agem onde existe campo fértil, enquanto existir corrupto e caixa 2 os doleiros vão operar."

Vladimir Aras, procurador da República que realiza cerco incomum a doleiros e corruptos de todo o País, destaca que as grandes operações são feitas sob a fachada de casas de câmbio ou corretoras de títulos ou ainda factorings. "Os doleiros abrem offshores ou compram offshores de prateleira no Caribe, principalmente nas Ilhas Virgens Britânicas, em Cayman, no Panamá e também no Uruguai", revela Aras.

O procurador federal lembra que, muitas vezes, os doleiros aparecem como procuradores das offshores e operam de preferência com pequenos bancos em Nova York e na Flórida, às vezes simultaneamente, aproveitando-se de escassos controles de fiscalização. Atuam também por meio de subcontas, o que ajuda a ocultar suas atividades. Ou utilizam o sistema "hawala" - dólar-cabo nas transferências internacionais, fazendo crédito em confiança na conta de laranjas no exterior. "Movimentam dezenas de milhões de dólares", informa Vladimir Aras.