Título: A face vulnerável da blindagem
Autor: Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 21/08/2005, Economia & Negócios, p. A19

A armadura que protegia o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, caiu na última sexta-feira, com as denúncias do ex-assessor Rogério Buratti sobre pagamento de propinas nos tempos da Prefeitura de Ribeirão Preto. E com ela foi derrubado o campo de força que isolava a economia do lamaçal político. O mercado emitiu sinais de que já percebe as avarias na blindagem e põe em xeque o futuro da equipe econômica. O primeiro impacto visível será na taxa de juros. A perspectiva de queda, que já havia sido adiada em agosto, deverá ficar mesmo para outubro, a fim de evitar uma saída em massa de capitais do país.

¿ Dependendo da intensidade da depreciação (perda de força do real frente ao dólar), vai ficar difícil cortar os juros. Esperava recuo em setembro, já que a inflação continua vindo baixa, mas agora posso ficar tranqüilo e esperar redução só em outubro ¿ opina o estrategista-chefe do banco BNP Paribas, Alexandre Lintz.

Para muitos economistas, inclusive de grandes bancos estrangeiros, o corte já poderia ter sido feito em agosto. Porém, o componente político teria abafado o debate sobre hiato de produto na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Para um economista de um grande banco estrangeiro, que preferiu não se identificar, a taxa de câmbio será bastante pressionada nos próximos dias, com a saída de estrangeiros de investimentos na Bolsa de Valores e em títulos de mais longo prazo.

¿ A taxa de juros não será suficiente para mantê-los no Brasil. O risco está ficando cada vez maior e o retorno não compensará ¿ avalia. ¿ A blindagem é boa, mas não dura para sempre.

Segundo ele, os próximos passos a serem tomados serão críticos, pois definirão o custo do financiamento nas operações de captação do governo no ano que vem. Imediatamente, os prêmios de risco tendem a subir, com elevação visível nas taxas exigidas nos títulos pré-fixados. Somente na sexta-feira, o risco país subiu 20 pontos, saindo do patamar dos 400 pontos. Quanto maior o risco, maior o custo de captação para o país e empresas brasileiras lá fora.

¿ Melhor seria a verdade aparecer logo, pois a crise passa e os mercados se recompõem ¿ opina.

Em muitas rodas de discussão, porém, o debate já se fecha em torno de uma possível sucessão do ministro da Fazenda. O nome mais lembrado é o do atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, o vice de Palocci, que já havia sido cotado para assumir a presidência do Banco Central quando surgiram as primeiras denúncias contra o titular, Henrique Meirelles, sobre supostas remessas ilegais de recursos ao exterior.

Apesar da credibilidade técnica de Portugal, há quem desconfie da habilidade política em assumir o cargo, deixando ainda mais vulnerável a economia.

¿ Os mercados mantinham a tranqüilidade devido à estabilidade de Palocci. Sua força é tamanha que é o único capaz de fazer uma política ainda mais ortodoxa do que a empregada na gestão Fernando Henrique Cardoso ¿ avalia Lintz, referindo-se a um superávit primário em torno de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos 12 meses, além da taxa de juros real mais elevada do mundo. ¿

Seu sucessor não terá tanto prestígio com o presidente. É ele quem explica para Lula o que deve ser feito na economia. As pessoas dizem que a política monetária é feita pelo Banco Central, mas não é. É feita pelo presidente. Sem Palocci, a agenda econômica será quebrada.

Seja quem for o sucessor de Palocci, segundo o economista-chefe do Itaú, Tomas Málaga, não seria uma estratégia inteligente alterar os preceitos defendidos tão eficientemente pela atual equipe econômica.

¿ Qualquer um que assumir a Fazenda ou mesmo a presidência da República vai cometer um erro se mexer em questões relativas à estabilidade. Fixar o câmbio, provocar um descontrole das finanças públicas ou baixar a taxa de juros sem fundamentos pode trazer mais problemas do que os que já existem.

Lintz, no entanto, lamenta a crise e os efeitos potenciais sobre a economia.

¿ O mundo só cresce dessa forma uma vez a cada 30 anos. Estamos perdendo um momento de ouro.