Título: Nova busca pelo acordo favorito
Autor: Ivna Maluly
Fonte: Jornal do Brasil, 21/08/2005, Economia & Negócios, p. A22

Após um ano de jejum, Mercosul e União Européia relançam, no dia 2 de setembro, em Bruxelas, a discussão sobre um acordo de livre comércio entre os dois blocos. O novo prazo para a conclusão das negociações seria maio de 2006, quando acontecerá a Cúpula de Viena, entre os líderes da UE e os países da América Latina. Porém, fontes diplomáticas da Comissão Européia afirmam que antes da próxima reunião da Organização Mundial do Comércio, em Hong Kong, prevista para dezembro, não vai haver avanço. Na entrevista abaixo, o embaixador brasileiro junto à UE, José Alfredo Graça Lima, e André Meloni Nassar, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Comércio e das Negociações Internacionais dão seus pontos de vista sobre o assunto. Para eles, a postura da UE de negociar de forma fatiada é um empecilho, e o governo brasileiro trata as conversações com os europeus de forma preferencial em relação à Alca. (Ivna Maluly)

Qual o sentimento dos senhores com relação ao próximo encontro entre Mercosul e UE? Graça Lima ¿ O encontro entre ministros dos quatro países do Mercosul e os três comissários europeus (Peter Mandelson, Benita Ferrero-Waldner e Mariann Fischer Boel) permitirá às partes fazer uma avaliação dos resultados alcançados até outubro do ano passado e tomar decisões quanto ao futuro do processo negociador à luz dos desdobramentos das negociações comerciais multilaterais, a Agenda de Desenvolvimento de Doha (DDA).

Nassar ¿ Minha impressão é de que esse encontro será mais político e orientado para criar ¿momento¿ para o relançamento das negociações. Eu não tenho a expectativa de que os negociadores venham a definir um cronograma. Me parece que será um encontro mais para pôr a negociação no trilho novamente e, quem sabe, definir um deadline. Tudo vai depender da disposição da UE em fazer concessões melhores em agricultura. Eu acho muito difícil que a Comissão Européia tenha mandato dos estados membros para aceitar qualquer compromisso de abertura de mercado de agricultura em setembro.

O novo comissário está realmente querendo fazer algo por este acordo? Graça Lima ¿ A nova Comissão Européia segue a mesma estratégia definida pela Comissão anterior no sentido de oferecer como compromissos europeus na OMC os acertos internos em matéria de reforma da Política Agrícola Comum, e isso mediante a satisfação de suas demandas não apenas de acesso a mercados para serviços e investimentos como ainda de enforcement da proteção de direitos de propriedade intelectual, questões agrícolas alegadamente sem relação com comércio, e outras. De acordo com essa estratégia, um acordo de associação com o Mercosul é fundamental para a consecução do objetivo de concluir a DDA em linha com as decisões posteriores do Conselho europeu sobre preços de sustentação de produtos agrícolas.

Nassar ¿ Eu entendo que há algumas motivações para o relançamento das negociações. Do lado do Brasil, me parece que o governo quer deixar um resultado concreto na política externa e um acordo com a UE pode ser esse resultado. Entre todas as opções que estão na mesa, sobretudo comparando com a Alca, o acordo com a UE é aquele melhor delimitado e evoluído. Além disso, a agricultura brasileira tem muito a ganhar com esse acordo, o que é uma motivação a mais quando se quer produzir resultados concretos. Do lado da UE, acho que a motivação é oferecer uma cenoura para o Brasil ser menos demandante na OMC. Os europeus parecem acreditar que se o Brasil conseguir acesso no bilateral, o país poderia ser menos ambicioso na Rodada de Doha. Se eu estou correto, a UE tem interesse em sinalizar a ambição do bilateral em 2005 porque a Rodada de Doha tem que estar bem desenhada até meados de 2006. Acho que o novo comissário não quer fazer o acordo mas quer jogar a cenoura para o Brasil.

O presidente Lula disse que quer que o acordo saia do papel. E queria que fosse antes do da Alca para evitar pressões dos americanos. Graça Lima ¿ O Brasil, como parte do Mercosul, tem naturalmente todo interesse em concluir um acordo com a UE que seja efetivamente de livre comércio e que impulsione o intercâmbio birregional em cumprimento aos princípios, às regras e aos objetivos do Gatt e da OMC. Um acordo nesses termos poderia ser firmado o quanto antes, independentemente dos esforços que se desenvolvam na OMC ou no contexto da Alca.

Nassar ¿ Entre recomeçar as negociações da Alca ou UE-Mercosul, certamente o governo escolheria a segunda opção.

Importantes negociadores do Mercosul notam que o problema é que a UE tem insistido em fazer as ofertas de maneira ¿fatiada¿, praticamente impedindo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai de colocar toda sua oferta na mesa. Eles ainda vão insistir nisto? Graça Lima ¿ Não sei. Mas o que importa saber é se a oferta agrícola européia é ou não consistente com o Artigo XI do Gatt e o Artigo 11 do Acordo de Salvaguardas da OMC.

Nassar ¿ A UE usa muito de negociações informais. Muitas vezes eles fazem concessões verbalmente e não as escrevem em documentos. Um desses métodos informais de negociar é essa questão de fatiar a oferta, ou seja, eles condicionam uma melhoria em acesso para um setor a uma melhoria da nossa parte em serviços, por exemplo. Ao fatiar o processo de negociação, eles acabam comparando movimentos que não são balanceados. A UE utiliza dessas estratégias informais na OMC também. Por isso acho que eles continuarão insistindo nisso quando for o momento de discussão de melhorias de ofertas.

Se o acordo sair do papel, o que ganharão Brasil e UE? Graça Lima ¿ Não é possível quantificar com precisão o que se pode ganhar com uma efetiva liberalização do comércio nas duas pontas. Depende do setor. E depende também da ¿modalidade de liberalização¿ a ser aplicada. O impacto da redução a zero, já na entrada em vigor do acordo, de uma tarifa superior a 10% será evidentemente muito maior do que o da fixação de uma quota tarifária sem taxa de crescimento ou de uma preferência sem redução da alíquota, mesmo em dez anos.

Nassar ¿ Isso depende da oferta. Ganharemos mais se baixarmos as tarifas do que se aumentarmos as cotas. A UE vai ganhar mais em indústria e quase nada em agricultura. Nós vamos ganhar muito em agricultura e um pouco em indústria.