Título: Da crise à nova esperança
Autor: Milton Temer*
Fonte: Jornal do Brasil, 23/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

Parecia o Partido dos Trabalhadores das origens. Num fim de semana com calor de praia, uma platéia participativa se manteve, por dois dias consecutivos, em debate intenso sobre o ''Socialismo no Século XXI''. Tema universal, que não inibiu uma análise da conjuntura brasileira, com previsões sobre os possíveis desdobramentos da crise alimentada pela enxurrada de denúncias, ora inundando as manchetes dos jornais. Uma discussão acalorada, enfim, que não se interrompeu, sequer, para ouvir a coletiva do ministro Palocci. ''Se valesse entrevista, Delúbio estaria inocentado e Genoino ainda seria presidente do partido. O que interessa é o desdobramento das investigações'', justificava um dos organizadores.

Ao lado do renomado François Chesnais, dirigentes de organizações da esquerda francesa, da inglesa, e até da norte-americana, para além de dirigentes sindicais venezuelanos e do deputado argentino Mario Cafiero, coincidiam num ponto. É fundamental a formação de frentes unitárias táticas no contexto atual. Conjugando mobilização social ampla com participação no processo institucional. Mas não abrindo mão da obrigatória relação permanente, desta unidade na ação, com o objetivo estratégico da luta pelo socialismo.

Parecia, pela sofisticação nas formulações, plenária do velho Partido dos Trabalhadores. Mas não era.

Quem se apertava no espaçoso auditório eram militantes do P-Sol que, com a adesão do senador Geraldo Mesquita, cresce na trilha da senadora Heloisa Helena e dos deputados Babá e Luciana Genro - expulsos e hoje reconhecidos pelo papel premonitório, desempenhado na denúncia da guinada ideológica do PT.

O êxito na prática de alianças corretas era ilustrada com o relato das mobilizações populares em outros continentes. Pelo voto contrário à Constituição européia, na França e na Holanda. Ou pela retirada das tropas de ocupação do Iraque, na Inglaterra e nos EUA. Ou na participação ativa dos socialistas venezuelanos na defesa do governo Chávez contra as investidas de direita, organizadas e financiadas pela Casa Branca, mas sem abrir mão das exigências pelo poder popular.

Consensual, também, foi a conclusão de que, no contexto da hegemonia absoluta da especulação financeira sobre as atividades produtivas, o neoliberalismo predador, marcante da conjuntura atual, é a verdadeira essência do capitalismo. O welfare state dos anos 50 e 60 não teria sido mais que exceção histórica; contraponto necessário, diante da crescente influência dos partidos comunistas e socialistas nos principais países da Europa ocidental, após a derrota no nazi-fascismo na II Guerra Mundial.

Mas, decomposta a União Soviética, o capitalismo estaria de volta ao seu verdadeiro perfil - toda força à desconstrução dos principais direitos sociais conquistados naquele curto período ''humanizado'', e legalização dos métodos predatórios de exploração do trabalho que marcaram sua etapa inicial.

As seqüelas resultantes já seriam gritantes: o estabelecimento do desemprego estrutural, por meio da flexibilização das leis do trabalho, é lido como ''índice de competitividade''. E a transformação de seguridade social, educação e saúde públicas em mercadorias geradoras de lucros para o capital privado estabelece-se como paradigma da ''nova'' velha ordem.

O governo Lula, é claro, não foi poupado. A totalidade dos participantes - os brasileiros, que nele votaram, e os estrangeiros, que nele depositaram esperanças - não ocultavam a profunda decepção. Coincidiam na avaliação do quanto foi perdido, em função do significado da chegada ao poder, pelo voto, de um partido socialista, com forte simbolismo transformador, terminar transformado em instrumento eficaz exatamente do oposto ao que sempre se propôs. Em agente do fortalecimento da ideologia neoliberal em toda a região.

Mas definiram suas presenças no seminário como prova da esperança no renascimento de uma esquerda socialista libertária.

Milton Temer escreve às terças-feiras nesta página