Título: A negação da cidade
Autor: Luiz Paulo Conde
Fonte: Jornal do Brasil, 23/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

No mundo moderno, as intervenções urbanas têm sido utilizadas para promover transformações de importantes regiões das grandes cidades. Áreas centrais tradicionais vêm sofrendo impactos com as mudanças nas relações de negócios, ocasionadas pelo advento dos novos sistemas de informação. Há muitos exemplos de bem-sucedidas intervenções, umas mais antigas, outras recentes. Em Nova Iorque, podemos citar o Rockfeller Center e o Lincoln Center, localizados dentro de uma área urbana central e vital e em total entrosamento com o sistema de transportes, como ônibus, metrô e trens. Em Paris, poderíamos citar as recuperações do Champs Elysées e do Museu do Louvre, o museu do Quai D'Orsay, o Centro Georges Pompidou e o Museu Picasso.

O objetivo que permeia todas estas intervenções é o de revitalizar áreas que sofrem processos de decadência. A idéia é localizar os equipamentos de forma articulada com a vida da cidade, ajudando a recuperar estas áreas e permitindo que a população tenha fácil acesso a museus, teatros e centros de música.

Um bom exemplo de intervenção urbana com este objetivo é o da revitalização da Rua do Lavradio. A Frente Marítima, projeto iniciado em meu governo, cuja ampliação deixei detalhada e pronta, revitalizou toda a área da Praça 15 e, se não tivesse sido abandonado pela atual administração, hoje abrangeria toda a região que vai do Aeroporto Santos Dumont à Candelária. Infelizmente, o Rio não tem sido mais contemplado com políticas urbanas que promovam e valorizem nosso rico patrimônio. O que se vê hoje é o uso irracional dos recursos da prefeitura com obras de gosto e efeito duvidoso. Na contramão do que se faz em todo mundo, o Rio não está discutindo seu desenvolvimento e as decisões sobre importantes intervenções têm sido tomadas quase sem debate.

Vivemos uma síndrome dos equipamentos auto-suficientes. Cidade da Música, Cidade do Samba, Cidade da Criança, são projetos que, já pelo nome, denunciam a negação da própria cidade. Estão criando verdadeiros shopping centers temáticos, quase sempre afastados da população. O nome Cidade da Música é copiado da Cité de la Musique de Paris mas os dois projetos, de parecidos, não têm nada, a não ser o mesmo arquiteto. A começar pelo fato de que a Cidade da Música francesa foi projetada para integrar um complexo cultural na região de La Vilette, onde funcionavam os antigos matadouros, de importante valor histórico e cultural para Paris mas que se encontrava em processo de franca decadência.

Inserida neste contexto, a Cité de la Musique ajudou, junto com a implantação de outros equipamentos, a revitalizar uma área maravilhosa para a cidade e, ao mesmo tempo, proporcionou aos cidadãos a oportunidade de freqüentar de novo o lugar, seus museus, cafés e restaurantes, fartamente servidos por transportes públicos.

Todos os grandes centros urbanos do mundo sofreram da decadência provocada pelo êxodo na área dos negócios mas cresceram culturalmente. O nosso Centro é uma verdadeira jóia, pois resume a história do Brasil nas peças de arquitetura, obras de arte e farta documentação guardada nos museus e na Biblioteca Nacional. Não deve ser preterido, sob pena de perdemos nossa identidade cultural.

Existe um fantástico patrimônio no Centro que pode abrigar projetos culturais e de lazer fantásticos. Negá-lo será negar a própria cidade. Além disso, o Centro foi projetado para receber estes equipamentos, pois é servido por linhas de ônibus de todos os pontos da cidade, barcas, metrô e trens. Não é a toa que ali estão as mais importantes e tradicionais instituições culturais da cidade.

A Cidade da Música está sendo construída dentro de uma rótula de trânsito, que deveria ser reservada para uma futura estação de metrô. Poderíamos criar este equipamento em local mais acessível, na Barra ou em outro bairro, desde que este investimento representasse um marco de revitalização. Um excelente exemplo nos vem de São Paulo, onde o governo estadual investiu na sede de sua Orquestra Sinfônica, no Centro antigo.

O mesmo ocorre com a Cidade do Samba, uma boa idéia para a região portuária mas que erra a mão ao construir mais galpões em uma área repleta de galpões vazios e que necessitam de recuperação. Também a Cidade das Crianças mostrou ser um grande equívoco, pois permanece vazia por falta de integração com os transportes públicos, na fronteira com Itaguaí, cuja vocação é sabidamente industrial.

Como arquiteto, carioca, ex-prefeito e atual vice-governador, sinto-me no dever de alertar: a cidade vai pagar um preço muito alto pela construção de equipamentos que ficarão ociosos até que a cidade chegue até eles.