Título: Os dois lados da ortodoxia
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 23/08/2005, Economia & Negócios, p. A17

As declarações do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, de que a política econômica não será alterada ou mesmo abrandada pela crise política, levaram calmaria ao mercado financeiro. Se por um lado, a manutenção dos ¿pilares da economia¿, como definiu Palocci, reduziu a tensão dos investidores, mostra-se, do outro, um componente maligno às contas públicas. Resultado divulgado ontem pelo Tesouro Nacional mostra que o endividamento em títulos cresceu R$ 105 bilhões nos últimos sete meses. Culpa da política monetária excessivamente restritiva adotada pelo Banco Central, que mantém a taxa de juros real no Brasil como a maior do mundo. A taxa básica (Selic) corrige mais da metade do débito do governo e tem impacto direto sobre o endividamento, que em julho atingiu R$ 915,67 bilhões.

O montante representa crescimento de 1,12% em relação ao mês anterior, quando a dívida era de R$ 905,51 bilhões. O Tesouro admite que o aumento se deu por conta da apropriação de juros sobre o estoque. Política que, como assegurou Palocci, será mantida com o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em reunião na noite de domingo, no Torto, o ministro da Fazenda defendeu o aumento do aperto fiscal que mantenha o superávit primário acima dos 5% do Produto Interno Bruto (PIB). Tese que parte do Ministério, mais ligado às áreas políticas, discorda, assim como parcela considerável dos parlamentares petistas. Palocci argumenta que o afrouxamento do aperto pode trazer algum resultado imediato, mas não duradouro. Apesar dos argumentos contrários de alguns de seus pares no governo, a decisão será tomada por Palocci, a quem Lula deu carta branca para agir, referendando a política de juros altos.

Com a estratégia ortodoxa utilizada pela equipe econômica, a dívida atrelada à variação da taxa básica de juros (Selic) ¿ papéis pós-fixados ¿ também subiu, de 56,56% para 57,32% entre junho e julho, e atingiu R$ 530 bilhões.

Já a parcela atrelada a títulos prefixados totalizou R$ 204,8 bilhões. O montante corresponde a 22,37% da dívida pública de julho, queda em relação a junho, quando o percentual era de 22,95%. O declínio da participação dessa dívida mostra que os investidores acreditam que a taxa de juros vai subir e, portanto, não aceitam fixar antecipadamente seu rendimento.

¿ Percebemos maior volatilidade no mercado, entretanto, isso não comprometeu a administração da dívida. A gente vem rolando, desde o começo do ano, mais de 100% da dívida e essa volatilidade não nos preocupa na hora que a gente analisa o planejamento do mês como todo ¿ defendeu o coordenador-geral de Operações da Dívida Pública do BC, Paulo Valle.

A parcela da dívida atrelada ao dólar passou de 4,12% em junho para 4,15% em julho. Segundo o Tesouro Nacional, esse aumento se deu por conta da desvalorização de 1,7% do real entre os meses de junho e julho. Em junho, o dólar médio (Ptax) fechou em R$ 2,35, enquanto em julho, R$ 2,39.

Valle descartou a possibilidade da crise ter afetado o resultado e ressaltou que o Tesouro conseguiu cumprir o seu cronograma de leilões.

¿ Nosso cronograma não foi alterado. Às vezes temos que ajustar o leilão, mas dentro disso, temos conseguido manter o planejado ¿ disse.

Até o final do mês, mais dois leilões deverão acontecer. Até julho deste ano, o Tesouro rolou R$ 14 bilhões em papéis públicos. Há outros R$ 28 bilhões para o mês. Valle descartou qualquer tipo de problema caso o governo não consiga atingir o valor. Isso por conta do Tesouro e o Banco Central já terem rolados, juntos, 109% dos vencimentos dos papéis (do ano) até o final de julho.

A nota divulgada ontem pelo Tesouro Nacional mostra ainda que a parcela de títulos públicos federais com vencimento em até 12 meses recuou de 45,3% da dívida pública em junho para 44,2% em julho. A expectativa do Tesouro Nacional é fechar o ano abaixo de 40%.