Título: Paradoxos da economia
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 24/08/2005, Opinião, p. A10
Sob o rastro das interrogações deixadas pelo paradoxo da economia brasileira, identificado na manchete de ontem do Jornal do Brasil, encontra-se um dos problemas mais inquietantes a serem resolvidos pelo país: a manutenção, em níveis estratosféricos, da dívida pública brasileira. No saldo de boas e más notícias, viu-se, por exemplo, que o mercado financeiro reagiu bem às sensatas declarações do ministro Antonio Palocci. No reverso da tranqüilidade demonstrada pelos investidores, a despeito da peculiar volatilidade dos mercados, o Tesouro Nacional divulgou um crescimento de R$ 105 bilhões do endividamento em títulos nos últimos sete meses. Se analisados os números de julho em relação ao mês anterior, verificou-se uma alta de R$ 10,16 bilhões. A perturbadora elevação decorreu, em especial, do impacto dos juros básicos (Selic) - há três meses em 19,75% ao ano. Evidencia-se, portanto, o efeito colateral de uma ortodoxia que tem ajudado a sustentar a liderança brasileira no vergonhoso ranking mundial das taxas elevadas. Nenhum país, afinal, pratica juros reais remotamente comparáveis aos nossos. Embora preocupado com os fantasmas inflacionários que rondaram a economia nos últimos meses, o Banco Central, parece evidente, tem agido sob equivocada inspiração. A Selic, insista-se, corrige mais da metade do débito do governo e tem impacto direto sobre o endividamento. O resultado é assustador. Apesar de já ter atingido patamares superiores aos atuais - R$ 915 bilhões, em valores de julho - hipoteca-se desastrosamente o futuro de inúmeras gerações e compromete-se o esforço fiscal dos últimos anos.
Tais evidências expõem a necessidade de o país trabalhar decididamente alternativas para a dívida pública. A constituição de fundos - com ações preferenciais de estatais - que permitam a troca de títulos da dívida e a redução da volatilidade do câmbio são tarefas essenciais a cumprir. No caso do câmbio, um grande número de analistas aponta que os ganhos obtidos pela redução da dívida estão sendo perdidos com a apreciação do real frente ao dólar. Menor volatilidade cambial implica obtenção de superávits comerciais cada vez mais robustos e estabelecer distinções claras para o capital de curto prazo. Basta que se preservem linhas comerciais e outras essenciais para o desenvolvimento e se coloquem limitações a todo tipo de capital meramente especulativo. A redução permanente da dívida, não é demais lembrar, constitui ferramenta fundamental para que o risco-país desabe de modo consistente.
Às cassandras habituais, convém sublinhar que os juros altos - raiz do avanço da dívida pública - decorrem não apenas da excessiva prudência dos diretores do Banco Central. São fruto também da necessidade de financiamento de um Estado pesado, perdulário, ineficiente, que cresceu nas últimas décadas em um ritmo muito superior à soma de riquezas produzidas no país. A outra conta é paga pela sociedade: impostos demasiadamente elevados - hoje beirando os 40% do PIB. Não há investimento que resista a tantos impostos. Um volume exasperador de tributos resulta na sonegação em alto grau - dinheiro que escoa em parte para o financiamento do caixa 2 das campanhas eleitorais, completando o círculo vicioso. Caso siga esse ciclo, o país à matroca.